segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

21 de fevereiro, noite... um poema.

Que lástima

que eu não possa cantar aos costumes

deste tempo o mesmo que os poetas de hoje cantam!

Que lástima

que eu não possa entoar com uma voz orgulhosa

essas brilhantes canções

às glórias da pátria!

Que lástima

Que eu não tenha uma pátria! (…)


Que lástima

que eu não tenha uma casa!

Uma casa gigantesca e invejada,

uma casa

onde guardar,

além de outras coisas raras,

um sofá velho de couro, uma mesa corroída, (…)

e um retrato de um avô meu que vencera

uma batalha.

Que lástima

que eu não tenha um avô que vencera

uma batalha,

retratado com uma mão cruzada

por sobre o peito, e a outra no punho da espada!

E que lástima

que eu não tenha sequer uma espada!

Porque..., Que vou a cantar se não tenho nem uma pátria,

nem uma terra provinciana,

nem uma casa

gigantesca e invejada,

nem o retrato de um avô meu que ganhara

uma batalha,

nem uma sofá velho de couro, nem uma mesa, nem uma espada?

Que vou a cantar se sou um pária

que tem apenas uma capa?


Entretanto... (…)

há uma casa

na qual estou de passagem

na qual tenho, emprestadas,

uma mesa de pino e uma cadeira de palha.

Tenho também um livro. E toda minha bagagem se encontra

numa sala

muito grande

e muito branca

que está na parte mais baixa

e mais fresca da casa.

Há uma luz muito clara

que entra por uma janela

e que dá para uma rua muito larga.

E à luz dessa janela

venho todas as manhãs.

Aqui me sento sobre minha cadeira de palha

e venço as longas horas

lendo o meu livro e vendo como passam

as pessoas através da janela.


Coisas de pouca importância

parecem um livro e o cristal de uma janela (…)

e, no entanto, isso basta

para que eu sinta todo o ritmo da vida em minha alma.

Pois todo o ritmo do mundo passa por estes cristais

quando passam

esse pastor que caminha atrás das cabras

com seu enorme cajado,

essa mulher agoniada

com uma carga enorme

de lenha nas costas,

esses mendigos que vão arrastando suas misérias, (…)

e essa menininha que vai para a escola tão sem vontade.

Oh, essa menina! Sempre pára um segundo em minha janela

e fica grudada ao cristal como se fosse uma estampa.

Quanta graça

há em seu rostinho,

rente ao cristal,

com o queixinho sumido e o narizinho achatado!

Dou muita risada ao contemplá-la

e digo a ela que é uma linda menina...

Ela então me chama:

Bobo! E se vai.

Pobre menina! Já não passa

por essa rua tão larga,

caminhando tão sem vontade para a escola,

nem pára mais

em minha janela,

nem fica grudada ao cristal

como se fosse uma estampa.

Pois um dia ficou doente,

muito doente,

e um dia desses dobraram por ela os sinos, por ter morrido.


E numa tarde muito clara,

por esta rua tão larga,

através da janela,

vi como levavam

em um caixão

muito branco...

Em um caixão

muito branco,

que tinha um cristalzinho na tampa.

Por aquele cristal se via o rosto

o mesmo que por vezes ficava

grudadinho ao cristal de minha janela...

Ao cristal desta janela

que agora me lembra sempre o cristalzinho daquele caixão

tão branco.

Todo o ritmo da vida passa

pelo cristal de minha janela...

E a morte também passa!


Que lástima

que não podendo cantar outras façanhas,

porque não tenho uma pátria,

nem uma terra provinciana,

nem uma casa

gigantesca e invejada,

nem o retrato de um avô meu que vencera

uma batalha,

nem um sofá velho de couro, nem uma mesa, nem uma espada,

pois sou um pária

que tem apenas uma capa...

me veja forçado a cantar coisas de pouca importância!


Leon Felipe


Tradução: Demetrio Cherobini

Um comentário:

  1. E aí, companheiro!
    Que bom te encontrar na blogosfera também...
    Na verdade te achei em outros blogs, antes de achar o teu...
    Andei lendo uns textos interessantes no sítio da Carta Maior e no blog do Nassif, inclusive recomendei ao grupo de amigos e, não tinha prestado atenção ao autor dos texto...
    Quando percebi me senti orgulhoso...
    Cara, se tu me permite, vou recomedar teu blog e alguns de teus textos em meu blog...
    Pode ser?
    Vou deixar o link do meu blog para que o amigo conheça...
    É um simples blog, onde escrevo algumas besteiras, mas espero que permita citá-lo por lá!
    Abraço conterrâneo de um amigo da "rua de baixo"...
    www.temagerador.blogspot.com

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