Que lástima
que eu não possa cantar aos costumes
deste tempo o mesmo que os poetas de hoje cantam!
Que lástima
que eu não possa entoar com uma voz orgulhosa
essas brilhantes canções
às glórias da pátria!
Que lástima
Que eu não tenha uma pátria! (…)
Que lástima
que eu não tenha uma casa!
Uma casa gigantesca e invejada,
uma casa
onde guardar,
além de outras coisas raras,
um sofá velho de couro, uma mesa corroída, (…)
e um retrato de um avô meu que vencera
uma batalha.
Que lástima
que eu não tenha um avô que vencera
uma batalha,
retratado com uma mão cruzada
por sobre o peito, e a outra no punho da espada!
E que lástima
que eu não tenha sequer uma espada!
Porque..., Que vou a cantar se não tenho nem uma pátria,
nem uma terra provinciana,
nem uma casa
gigantesca e invejada,
nem o retrato de um avô meu que ganhara
uma batalha,
nem uma sofá velho de couro, nem uma mesa, nem uma espada?
Que vou a cantar se sou um pária
que tem apenas uma capa?
Entretanto... (…)
há uma casa
na qual estou de passagem
na qual tenho, emprestadas,
uma mesa de pino e uma cadeira de palha.
Tenho também um livro. E toda minha bagagem se encontra
numa sala
muito grande
e muito branca
que está na parte mais baixa
e mais fresca da casa.
Há uma luz muito clara
que entra por uma janela
e que dá para uma rua muito larga.
E à luz dessa janela
venho todas as manhãs.
Aqui me sento sobre minha cadeira de palha
e venço as longas horas
lendo o meu livro e vendo como passam
as pessoas através da janela.
Coisas de pouca importância
parecem um livro e o cristal de uma janela (…)
e, no entanto, isso basta
para que eu sinta todo o ritmo da vida em minha alma.
Pois todo o ritmo do mundo passa por estes cristais
quando passam
esse pastor que caminha atrás das cabras
com seu enorme cajado,
essa mulher agoniada
com uma carga enorme
de lenha nas costas,
esses mendigos que vão arrastando suas misérias, (…)
e essa menininha que vai para a escola tão sem vontade.
Oh, essa menina! Sempre pára um segundo em minha janela
e fica grudada ao cristal como se fosse uma estampa.
Quanta graça
há em seu rostinho,
rente ao cristal,
com o queixinho sumido e o narizinho achatado!
Dou muita risada ao contemplá-la
e digo a ela que é uma linda menina...
Ela então me chama:
Bobo! E se vai.
Pobre menina! Já não passa
por essa rua tão larga,
caminhando tão sem vontade para a escola,
nem pára mais
em minha janela,
nem fica grudada ao cristal
como se fosse uma estampa.
Pois um dia ficou doente,
muito doente,
e um dia desses dobraram por ela os sinos, por ter morrido.
E numa tarde muito clara,
por esta rua tão larga,
através da janela,
vi como levavam
em um caixão
muito branco...
Em um caixão
muito branco,
que tinha um cristalzinho na tampa.
Por aquele cristal se via o rosto
o mesmo que por vezes ficava
grudadinho ao cristal de minha janela...
Ao cristal desta janela
que agora me lembra sempre o cristalzinho daquele caixão
tão branco.
Todo o ritmo da vida passa
pelo cristal de minha janela...
E a morte também passa!
Que lástima
que não podendo cantar outras façanhas,
porque não tenho uma pátria,
nem uma terra provinciana,
nem uma casa
gigantesca e invejada,
nem o retrato de um avô meu que vencera
uma batalha,
nem um sofá velho de couro, nem uma mesa, nem uma espada,
pois sou um pária
que tem apenas uma capa...
me veja forçado a cantar coisas de pouca importância!
Leon Felipe
Tradução: Demetrio Cherobini
E aí, companheiro!
ResponderExcluirQue bom te encontrar na blogosfera também...
Na verdade te achei em outros blogs, antes de achar o teu...
Andei lendo uns textos interessantes no sítio da Carta Maior e no blog do Nassif, inclusive recomendei ao grupo de amigos e, não tinha prestado atenção ao autor dos texto...
Quando percebi me senti orgulhoso...
Cara, se tu me permite, vou recomedar teu blog e alguns de teus textos em meu blog...
Pode ser?
Vou deixar o link do meu blog para que o amigo conheça...
É um simples blog, onde escrevo algumas besteiras, mas espero que permita citá-lo por lá!
Abraço conterrâneo de um amigo da "rua de baixo"...
www.temagerador.blogspot.com