quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Quanto você consegue saber de si se não entra numa luta? - Lukács e a consciência de classe

A ciência é neutra? Pode o conhecimento científico ser absolutamente objetivo? A subjetividade pode ser eliminada do processo de conhecer? Ou em todo ato cognitivo o interesse, o desejo, as projeções e as crenças do sujeito cognoscente interferem de alguma maneira? A ciência está livre de ideologia? Ou todo conhecimento cientifico guarda inexoravelmente um núcleo irredutível de ideologia? E no marxismo o que ocorre? É uma ciência ou uma ideologia? Como esta filosofia justifica-se a si mesma como método de maiores e mais amplas possibilidades epistemológicas em relação às demais correntes teóricas em ciências sociais? De que maneira soluciona os intrincados problemas envolvendo os temas da objetividade e da subjetividade inerentes ao conhecimento científico-social? Como enfrenta o complexo emaranhado de questões que se colocam no centro do debate epistemológico que envolve a teoria social e que se apresenta na maioria das vezes sob a forma de uma oposição e/ou articulação entre dois termos cuja definição é ambígua: ciência e ideologia? Ciência e ideologia são termos mutuamente excludentes? É possível a uma teoria social ser, ao mesmo tempo, científica e ideológica? Se ideologia e ciência não são, dentro do processo de conhecimento científico-social, elementos que se excluem, como é possível distinguir, entre duas teorias, qual é a que possui um maior quantum de objetividade? Há uma hierarquia entre as diferentes teorias sociais, ou todas possuem o mesmo grau de possibilidade de conhecimento? Sendo as ciências sociais vinculadas a uma determinada visão social de mundo, como é possível conciliar esse caráter ideológico com o conhecimento objetivo da “verdade”? Enfim, como o marxismo enfrenta e se posiciona perante todos esses questionamentos?

O próprio Marx havia apontado alguns caminhos para a solução desses problemas. Segundo o autor de O capital, são as classes sociais que criam e formam as visões de mundo, que depois passam a ser sistematizadas por seus ideólogos. As visões de mundo não são portanto, meras criações individuais. Os intelectuais são relativamente autônomos em relação à classe. O que os faz vinculados à determinada classe são os conteúdos das concepções de mundo que eles produzem. O que define essas visões de mundo não são idéias isoladas, mas uma certa “forma de pensar”, um certo conjunto de problemas, uma certa maneira de pôr as questões, ou ainda um certo “horizonte intelectual”. Ciência e ideologia não seriam assim mutuamente excludentes. A ciência possui, em verdade, uma certa autonomia em relação à classe, mas ela é sempre produzida a partir de uma perspectiva de classe.

Além disso, na concepção de Marx, dentro de uma mesma perspectiva de classe, podem haver cientistas bem-intencionados e intelectuais vulgares (de “má-fé”). A perspectiva de classe que se adota tende a influenciar a pesquisa científica, de acordo com o seu respectivo ideal de classe (revolucionário ou conservador). A ciência deve, portanto, ser compreendida em sua relação intrínseca com a história social e econômica geral, visto que a ideologia de classe impõe limites à cientificidade. A ideologia de classe “orienta, inspira e estrutura”, conscientemente ou não, o aparato categorial da consciência do pesquisador (seu “horizonte intelectual”) - tal fato pode ser constatado, principalmente, no problema da pesquisa. É o próprio ser social do pesquisador que o torna vinculado a esta ou aquela classe. Por partir sempre de determinada perspectiva, cada classe possui um certo “grau máximo” de conhecimento possível. Todo saber social, portanto, está relacionado à posição social do observador científico. Finalmente, as perspectivas epistemológicas das classes, a consciência que a classe pode ter da realidade onde está inserida e de sua situação no interior desta realidade pode ser superada pela consciência de outra classe.

A reflexão iniciada por Marx prosseguiu e interessou aos intelectuais presentes na Segunda Internacional (1889-1914). Nessa ocasião, prevaleceram as concepções de Bernstein e de Kautsky. O primeiro rompeu com a idéia de que havia uma articulação dialética entre ciência e socialismo, entre ciência e política. A ciência da sociedade deveria ser feita segundo os parâmetros da ciência da natureza e o ideal socialista deveria se converter num referencial ético a ser estabelecido na prática, mas que não conservaria nenhuma relação com o conhecimento científico. Kautsky, por sua vez, dizia que o socialismo é uma concepção totalmente científica, desprovida de qualquer pressuposto subjetivo, de qualquer ponto de vista de classe. O marxismo é a ciência da sociedade. Suas conclusões sobre a futura efetivação prática de uma sociedade sem classes se realizarão com precisão matemática. É uma lei natural que empurra a sociedade para o comunismo e lutar contra ela é tão inócuo quanto tentar neutralizar a lei da gravidade.

Dentre as várias correntes marxistas existentes na época, foram essas as hegemônicas. Somente a corrente revolucionária da social-democracia de antes da guerra, os chamados extremistas de esquerda, se posicionaram contra as concepções majoritárias. Esta corrente declarava abertamente a ligação explícita entre o ponto de vista operário e a ciência marxista. Nesse sentido, Lênin declarou que “em uma sociedade fundada na luta de classes, não poderia haver ciência ‘imparcial’. Toda a ciência oficial e liberal defende, de uma forma ou de outra, a escravidão assalariada, enquanto o marxismo declara uma guerra implacável a esta escravidão” (apud LÖWY, 2000, 123).

Portanto, reivindicar uma ciência imparcial é um absurdo porque isto é impossível no contexto de uma sociedade de classes. Lênin rejeita categoricamente toda e qualquer separação entre julgamento de fato e de valor, entre ciência e socialismo, entre a classe e a expressão teórica que esta classe tem do mundo que a cerca e de si mesma. Há uma ligação dialética entre ambas as instâncias. O marxismo, segundo ele, “associa o espírito revolucionário a um caráter altamente científico (sendo a última palavra das ciências sociais) e ele o faz não por acaso, nem somente porque o fundador desta doutrina reunia nele próprio as qualidades de sábio e revolucionário; ele os associa na própria teoria, íntima e indissoluvelmente” (apud LÖWY, 2000, 124).

Concepção análoga foi desenvolvida pela intelectual revolucionária Rosa Luxemburgo. Já na sua polêmica contra o revisionismo em 1899, ela questionou a tese positivista de colocar a ciência social acima das classes. Tal concepção é uma utopia, uma ilusão, visto que a sociedade real, onde a ciência nasce, é composta por classes sociais que possuem interesses e visões de mundo opostas. O sentido geral das concepções de Rosa Luxemburgo sobre a relação da situação objetiva da classe e sua consciência é o seguinte: Para ela, o engajamento na luta de classes é atributo apenas das ciências que se ocupam das “questões sociais”, que são, na sua essência, diferentes das ciências da natureza. A ciência social é, por definição, no estágio atual de desenvolvimento da sociedade, uma ciência com vínculo de classe. Somente numa sociedade sem classes é que poderia existir uma ciência “universalmente humana”, isto é, livre de uma visão social de mundo de classe. Esclarecendo as concepções de Rosa Luxemburgo, Löwy afirma que “em sua Introdução à economia política, ela mostra como, em uma ciência social determinada, 'as vias do conhecimento burguês e do conhecimento proletário divergem' em relação a todas as questões, inclusive aquelas que são à primeira vista abstratas e indiferentes às lutas sociais: a oposição entre economia mundial e 'economia nacional', entre o método histórico e o método naturalista, etc. (LÖWY, 2000, 125).

Isso não significa que não se possa chegar à descobertas científicas estando-se vinculado à burguesia. É possível, e muitos o demonstraram. Rosa Luxemburgo reconhece o valor das pesquisas de Adam Smith, Ricardo, etc. O marxismo, na sua visão, está em relação direta com a ciência feita por esses economistas. Ele continua, porém, as suas descobertas e chega a resultados finais que estão em completa contradição com os pontos de partida dos pesquisadores burgueses, visto que parte de pressupostos e problemas diferentes. E por que é possível a Marx superar os economistas clássicos? Porque o autor dos Grundrisse representa “sobre o terreno da filosofia, da história e da economia o ponto de vista do proletariado” (R. Luxemburgo, apud LÖWY, 2000, 125. Grifos meus). Os marxistas são os “porta-vozes” da classe operária. Como explica Löwy, “é porque Marx se situa do ponto de vista do proletariado revolucionário (grifos meus) que ele pode chegar a um ‘observatório mais elevado’ (Hörheren Warte) de onde ele pode ‘perceber os limites das formas econômicas burguesas’” (LÖWY, 2000, 125-126).

A metáfora “topológica” de Rosa Luxemburgo é bastante sugestiva. Há uma ligação intrínseca entre o ponto de vista de classe e o “horizonte” de visibilidade intelectual que se atinge nesse patamar. Com esse argumento, a intelectual marxista “abre caminho a uma compreensão das condições histórico-sociais que explicam o advento do marxismo e seu lugar no movimento da ciência social: não o Fiat Lux miraculoso de um gênio individual, mas a expressão teórica que provoca a emergência de um 'observatório mais elevado' e que cria a possibilidade objetiva de um conhecimento mais vasto da realidade social” (idem, 126).

E, por quê, afinal, existe uma superioridade cognitiva do ponto de vista do proletariado? Por quê é possível ao marxismo um nível superior de compreensão científica da realidade social? Duas são as respostas encontradas nos escritos de Rosa Luxemburgo: 1) “É a partir do ponto de vista do proletariado, enquanto classe revolucionária, que a historicidade do capitalismo torna-se visível” (idem, 126); 2) “O proletariado tem necessidade da verdade para seu combate” (idem, 126). A clareza sobre as “leis” de desenvolvimento da sociedade é necessária à luta empreendida pelo proletariado para a superação de sua condição.

Fica claro dessa forma o esforço de Rosa Luxemburgo por aplicar o método dialético ao próprio marxismo e estabelecer o seu limite histórico. A validade do marxismo é, sim, limitada no tempo. Carrega em si mesmo o “germe seguro do seu próprio declínio”. É fruto do capitalismo e desaparecerá com ele. Será seguramente superado quando do advento de uma sociedade sem classes, onde exista, enfim, uma ciência social “universalmente humana”.

É exatamente nesse ponto que o debate chega a Gyorgy Lukács. No livro História e consciência de classe (1923) encontram-se importantes contribuições filosóficas a esses temas. Nessa obra, o célebre pensador se debruça sobre as mesmas questões a que se dedicaram seus predecessores, pontos centrais para a teoria social marxista: a história social humana em movimento, seus conflitos, as classes sociais como sujeitos desses conflitos, a forma como tomavam conhecimento de si nesse processo, os métodos utilizados por elas, os limites e possibilidades impostos pela sua situação objetiva, etc. Lukács estabelece que “todo conhecimento da sociedade está intimamente ligado à consciência de classe de uma camada social determinada: os limites do conhecimento decorrem da situação objetiva de classe” (cf. LÖWY, 2000, 128. Grifos meus). As classes que possuem uma melhor possibilidade de compreender a dinâmica da vida social são aquelas que participam, de um modo ou de outro, do processo de produção material (no caso do modo de produção capitalista, essas classes são a burguesia e o proletariado). Nesse contexto, a consciência de classe burguesa apresenta uma contradição essencial que se manifesta por dois interesses básicos: “a) o interesse em conhecer claramente uma série de fatos econômicos particulares; e b) o interesse em ocultar cuidadosamente, desesperadamente até – tanto para as outras classes como para si mesma – a essência verdadeira, a totalidade dialética da sociedade capitalista” (idem, 129).

Para manter a sua hegemonia, é preciso, sim, que a burguesia conheça aspectos importantes da realidade social. No entanto, ao deparar-se com problemas cuja solução remetem para a superação do capitalismo, a consciência de classe burguesa necessariamente se embota. Nega a si mesma a compreensão de certas dimensões da realidade social. Esta é, segundo Lukács, “a conseqüência objetiva da estrutura econômica da sociedade e não algo arbitrário subjetivo ou psicológico” (apud LÖWY, 2000, 129). Daí que, para a consciência burguesa, superar essa condição de “cegueira cognitiva” “equivaleria a não mais considerar os fenômenos da sociedade do ponto de vista da burguesia. E disso, nenhuma classe é capaz, na medida em que seria necessário que ela renunciasse voluntariamente à sua dominação” (Lukács, apud LÖWY, 2000, 129). Em suma, “os limites objetivos da produção capitalista tornam-se os limites da consciência de classe da burguesia” (LUKÁCS, 1974, 79)

A utilização ideológica do método científico-natural na interpretação dos fatos sociais deve ser entendida a partir desta perspectiva. Lukács estabelece que tal modo de proceder não passa de “um instrumento da burguesia”. Afinal, para esta classe, “é uma questão vital (...) conceber sua própria ordem de produção como constituída por categorias válidas de uma maneira intemporal e destinadas a existir eternamente graças às leis eternas da natureza e da razão” (Lukács, apud LÖWY, 2000, 129). Entenda-se aqui que Lukács refere-se exclusivamente ao campo das ciências sociais e humanas.

Nesse contexto, o marxismo também é entendido como uma forma de conhecimento da sociedade com vínculo de classe, isto é, necessariamente ligado à consciência de uma classe social determinada. O método marxista, a dialética materialista e histórica, só foi possível porque estava vinculado ao proletariado. Na opinião de Lukács, “Ciência e consciência coincidem para o proletariado porque ele é, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto do conhecimento: o conhecimento de si significa ao mesmo tempo o conhecimento correto de toda a sociedade. Esta consciência de classe não é dada imediatamente ao proletariado: Ela é um produto da luta de classes como todo fato social” (cf LÖWY, 2000, 130, grifos meus).

A consciência de classe é, então, produto da luta de classes. As condições objetivas fazem com que a classe desenvolva a sua consciência. Produzem as estruturas categoriais e cognitivas da classe operária. Essa consciência de classe, de acordo com Lukács, não é a consciência psicologicamente descritível, dos membros da classe, mas “o sentido, tornado consciente, da situação histórica da classe” (LUKÁCS, 1974, 88). Assim, a forma de ser e existir em sociedade determina e produz a forma de pensar e conceber da classe, bem como do ser humano social individual. Há uma consciência social de classe, visto que a sociedade é composta por classes, e há uma consciência social individual de classe, existente no indivíduo social, fruto da existência desse ser numa sociedade de classe.

Nesse contexto, Lukács estabelece que é apenas da perspectiva do proletariado “que o conjunto da sociedade, o movimento da totalidade social se torna visível” (idem, 2000, 130). Nas palavras do filósofo húngaro: “O conhecimento que resulta do ponto de vista do proletariado é, objetiva e cientificamente, mais elevado. Ele contém o conhecimento histórico adequado do capitalismo, tornado inacessível para o pensamento burguês” (apud LÖWY, 2000, 130-131).

Isso não significa que não seja possível fazer ciência a partir de uma perspectiva burguesa. É necessário estabelecer uma “gradação objetiva” sobre o valor dos conhecimentos e dos métodos, e, nessa hierarquia, colocar ambas as formas de ciência social (proletária e burguesa) no seu devido lugar, demonstrando que cada uma representa momentos diferentes e necessários “no edifício metodológico do conhecimento social” (Lukács, apud LÖWY, 2000, 131).

Lukács não se limita em dizer que o proletariado possui uma superioridade cognitiva em relação à burguesia. Ele procura justificar essa tese a partir de argumentos históricos e sociais concretos. Duas são as suas teses. A primeira consiste na idéia de que “pela resistência a sua redução à condição de simples mercadoria, por sua luta contra a 'coisificação' total de sua força de trabalho, o operário tende a descobrir e a colocar em questão o conjunto do processo de reificação” (cf. LÖWY, 2000, 131). A partir dessa hipótese, Lukács considera que “para o proletariado a consciência de si é já, simultaneamente, conhecimento (científico) do conjunto das relações sociais do capitalismo” (idem, 2000, 131).

O segundo argumento é mais decisivo: “o ponto de vista de classe do proletariado representa um nível cognitivo mais elevado porque para o proletariado o conhecimento mais perfeitamente objetivo de sua situação de classe é uma necessidade vital, uma questão de vida ou de morte; a verdade é uma condição sine qua non de seu triunfo como classe revolucionária” (idem, 2000, 131). É porque o proletariado tem em vista a ação no sentido de evitar o seu esmagamento, a sua reificação, a sua alienação provocada pelo sistema – o que só conseguiria fazer através da superação desse mesmo sistema – que ele se obriga a ver a realidade de forma mais clara e objetiva. A verdade, nesse caso, se torna a própria arma do proletariado, sem a qual a sua emancipação não é possível.

Eis, portanto, o aspecto crucial que diferencia radicalmente o proletariado da burguesia como classe revolucionária. Quando de sua vitória contra o feudalismo, a burguesia não precisava de um conhecimento objetivo total da realidade histórica e social. O sentido de suas ações permanecia oculto, em parte, para a sua consciência. “O proletariado, pelo contrário, foi colocado pela história diante da tarefa de uma transformação consciente da sociedade” (idem, 2000, 132).

Dessa forma, a diferença entre a ciência social marxista e a burguesa não é apenas cognitiva, mas sobretudo prática. “O materialismo histórico não é somente um instrumento de conhecimento; ele é também, ao mesmo tempo, um instrumento de ação” (idem, 2000, 132). O pensamento burguês, ao contrário, é essencialmente contemplativo. Olha os objetos e fatos sociais. Observa-os, apenas, e eles permanecem inalterados. Daí, a utilização dos métodos científico-naturais na investigação social.

O ponto de vista do proletariado, pelo contrário, visa a transformação revolucionária da realidade social, o que instaura uma relação dialética entre o sujeito e o objeto: o proletariado é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto do conhecimento e da história. Em sua luta revolucionária, coincidem a teoria e a práxis, e se passa sem transição do saber à ação. Reconhecendo a situação, o proletariado age; combatendo o capitalismo, ele reconhece sua posição na sociedade (LÖWY, 2000, 132).

Lukács estabelece assim, uma historicização radical do marxismo. É certo que ele, o marxismo, é histórico. Ele mesmo se reconhece como tal. Isso não conduz, no entanto, a um total relativismo. As verdades que preconiza são “absolutas como tais”, isto é, absolutas dentro do contexto histórico e social no qual nasceram. Uma vez superado esse contexto, surgem novas sociedades nas quais, como resultado de sua existência prática objetiva, aparecerão outras categorias e outros conjuntos de verdades.

Conclusão

O pensamento de Lukács deve ser situado no contexto do debate filosófico de seu tempo, a partir das principais questões teóricas e práticas com as quais os intelectuais marxistas se debatiam. Reflete sobre a história da sociedade humana, as classes que compõem essa sociedade, seus conflitos, a compreensão que têm desses conflitos, a expressão teórica das lutas sociais, a relação da situação objetiva das classes e a consciência que têm de si mesmas no seio do movimento histórico, os limites impostos por sua condição objetiva ao conhecimento de si, etc.

Como síntese, podemos dizer que, para o filósofo húngaro, todo conhecimento da sociedade está intimamente ligado à perspectiva de classe das determinadas classes sociais. Os limites no conhecimento decorrem da situação objetiva das classes. As classes que participam da produção são as que maior possibilidade têm de conhecer a sociedade, isto é, elas têm “possibilidades cognitivas distintas”. Nesse contexto, a consciência de classe burguesa se caracteriza por: a) querer conhecer determinados fatos sócio-econômicos; b) querer ocultar de si e dos outros (inconscientemente ou não) determinados fatos sócio-econômicos. É impossível renunciar à perspectiva de classe, visto que isso significaria renunciar a sua própria situação enquanto classe. O marxismo também tem, conseqüentemente, um vínculo de classe. A consciência da sociedade que as classes possuem é produto da história, é produto da luta de classes, são originadas pelas situações práticas, concretas, objetivas, por que passam as classes. A consciência de classe não é a consciência empírica psicológica, mas “o sentido, tornado consciente, da situação histórica da classe” (Lukács). Portanto, a forma de ser e de existir da sociedade condiciona a forma de pensar e conceber das classes, bem como dos seres humanos tomados sob o ponto de vista individual. A perspectiva do proletariado (e o conhecimento que daí resulta) é, nesse contexto, o mais “elevado”. Isso se dá por duas razões: 1ª) Pela resistência à “coisificação” (reificação), o proletariado coloca questionamentos ao próprio processo de reificação, o que o remete ao questionamento da sociedade como um todo; 2ª) Pelo fato de que, para o proletariado, o conhecimento o mais objetivo possível é uma questão de vida ou morte, é uma arma, a arma mais efetiva de que o proletariado dispõe na luta de classes. É como se as próprias condições objetivas do proletariado “aguçassem” mais a sua consciência e a deixasse desperta para o conhecimento de temas que passam despercebidos para a consciência burguesa (como a historicidade do processo social, por exemplo). A “verdade” é condição sine qua non para o triunfo da classe proletária. Assim, a diferença entre as perspectivas proletária e burguesa se dá em razão de uma situação prática. Não é a consciência que determina o ser social. Num segundo momento sim, ela faz sentir seus efeitos e pode ser crucial. Mas é primeiramente o ser social que determina a consciência. É na luta revolucionária que a teoria e a prática se unem. Reconhecendo-se, o proletariado age; agindo (transformando), se reconhece. A visão de mundo marxista é produto da história. Sendo histórica, é relativa. Mas é “absoluta enquanto tal”, advoga para si o status de teoria com mais amplas possibilidades dentro do contexto histórico do capitalismo. Justamente por se situar num terreno histórico, a perspectiva proletária está sujeita às transformações da história. Finalmente: superada a situação histórica das classes, surgem novas perspectivas epistemológicas, um horizonte intelectual diferente.

Referências

LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. Marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. Cortez, São Paulo, 2000, 7ª ed.

LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. Estudos de dialética marxista. Publicações escorpião, Lisboa, 1974.

domingo, 18 de outubro de 2009

A América Latina e a Crise - Notas sobre a conjuntura

A possibilidade de superação do sistema do capital depende, dentre outras coisas, da capacidade dos sujeitos imbuídos desse propósito elaborarem estratégias eficazes para o seu enfrentamento e para a implementação de uma alternativa viável a este tipo de formação econômico-social. Isso exige atenção demorada e esforço constante para analisar criticamente a situação histórica concreta na qual todos nós estamos inseridos. O que é e de que maneira a atual crise afeta o mundo, a América Latina e o Brasil? Este é, certamente, um assunto bastante complexo, mas que não podemos contornar, visto que somente o estudo aprofundado dessa conjuntura específica permitirá a elaboração de um projeto político radicalmente emancipador. Temos então de nos debruçar sobre tais problemas com os recursos e as armas intelectuais de que dispomos. Acredito que alguns cientistas sociais podem nos ajudar neste sentido, pois têm produzidos estudos importantes sobre esses temas da contemporaneidade, partindo do ponto de vista das classes e grupos sociais que sofrem diretamente a opressão do sistema mundial produtor de mercadorias. Eis alguns deles:

O que é a crise? Francisco de Oliveira, em recente publicação intitulada Crise financeira? esclarece o seguinte: a globalização expandiu as relações capitalistas pelo mundo. Como conseqüência, verificou-se, nas últimas décadas, a integração e a complementação entre as economias dos EUA, da China e da Índia. Na Ásia, grosso modo, 800 milhões de trabalhadores são integrados ao sistema de extração de mais-valia, passando a produzir o valor que é realizado no consumo de outras tantas centenas de milhões de habitantes dos países do centro do capitalismo. Nesse movimento, o crescimento econômico de tais países acontece de forma desparelha (em torno de 10% na China e 3 ou 4% nos EUA). Por que? Porque, dentre outras coisas, as profundas modificações técnico-científicas na estrutura industrial chinesa barateiam os custos de produção (na China) e da reprodução da força de trabalho (nos EUA e demais países que compram aqueles bens). A China, então, produz muito, vende muito e ganha muito. Os EUA, na outra ponta, consomem muito. Entretanto, suas classes trabalhadoras não têm o salário monetário aumentado. Por isso, a China, com muito dinheiro em caixa, empresta aos EUA que, na seqüência, permitem, sem maiores critérios, a expansão do crédito para que os norte-americanos comprem carros e também a sua “casa dos sonhos”. Esses dívidas – que as pessoas, em virtude de sua baixa renda, acabarão não pagando - são negociadas nas bolsas de valores. O não cumprimento dos contratos desencadeia um efeito dominó sobre os mercados financeiros do planeta, fato que, a seu turno, repercute efeitos sobre a “economia real” com menos investimento na produção (e assim por diante...). Note-se como a crise envolve os setores produtivo, comercial e financeiro, que são partes de um complexo de processos que abrange hoje o mundo inteiro.

Num também recente artigo intitulado O dólar a afundar-se, Immanuel Wallerstein complementa essa interpretação ao explicar o porquê de a China estar tão interessada em que os EUA se recuperem da crise atual. Em seu texto, o sociólogo norte-americano afirma que há duas maneiras de se armazenar riqueza: ou em estruturas físicas reais, ou em alguma forma de dinheiro (moeda, títulos, ouro), sendo que o dinheiro é, na verdade, “uma invocação potencial de estruturas físicas”. Uma reserva monetária, continua Wallerstein, é a forma mais confiável de dinheiro e o modo mais seguro para armazenar riqueza que não esteja na forma de estruturas físicas. Ora, desde 1945, a moeda de reserva mundial é o dólar estado-unidense. Todos os países procuram, portanto, armazenar riquezas na forma de dólares. Nesse contexto, diz Wallerstein, “o país que emite a moeda de reserva tem uma vantagem única sobre todos os outros países. É o único país que pode legalmente imprimi-la, sempre que achar que é do seu interesse fazê-lo.” As moedas dos países têm taxas de câmbio com outros países. Cada vez que se realiza uma transação comercial no mercado exterior, as moedas nacionais precisam ser convertidas numa outra que serve como o padrão de equivalência entre todas as demais. Pois esta é, justamente, o dólar. Até 1973, a taxa de câmbio do dólar era fixa e estava atrelada ao ouro. Depois dessa data, os EUA resolveram acabar com essa relação entre ouro e dólar, fato que fez sua moeda começar a flutuar contra outras moedas para cima e/ou para baixo. Quando o dólar esteve mais baixo em relação à moeda inglesa, por exemplo, era mais fácil para os EUA vender produtos para a Inglaterra, pois este país precisava de menos libras esterlinas para comprar aqueles produtos. Mas isso faz com que as importações dos EUA fiquem mais caras, porque, nesse caso, necessita-se de mais dólares para comprar os produtos importados.

É melhor ter uma moeda forte ou uma moeda enfraquecida? Diz Wallerstein: “No curto prazo, uma moeda enfraquecida pode aumentar o emprego em casa. Mas esta é, na melhor das hipóteses, uma vantagem de curto prazo. A médio prazo, há maiores vantagens em ter a chamada moeda forte. Quer dizer que o detentor de tal moeda tem um maior controle da riqueza mundial medida em estruturas físicas e produtos.” Com a moeda fraca, exporta-se mais, mas importa-se menos. Isso é bom para os empregos do setor de exportação, mas é ruim para os setores relacionados ao consumo interno, que se vinculam muito àquelas mercadorias que vem de fora. Por isso, a médio prazo, as moedas de reserva são moedas fortes e “querem permanecer fortes”. A força de uma moeda é dada pelo controle que ela exerce sobre a riqueza mundial, e também do poder político que ela oferece dentro do sistema mundial. Isso significa que a moeda de reserva mundial tende a ser a moeda da potência hegemônica do mundo, mesmo que esta esteja em declínio.

Muito bem, diz Wallerstein Nos últimos anos, a dívida global do governo dos EUA tem subido muito. Isto tem feito a sua moeda flutuar para cima e para baixo (mas globalmente ela tem variado para baixo). A moeda tem se enfraquecido, portanto. Para equilibrar suas contas, o que o governo tem feito? Duas coisas: emitido moeda (atividade que enfraquece a moeda) e vendido títulos do Tesouro dos EUA. O que são títulos do Tesouro? Quando um governo precisa de dinheiro para tocar seus projetos, ele negocia títulos do seu Tesouro, que são papéis que garantem ao seu detentor (que normalmente são aqueles que emprestam dinheiro para o governo) o recebimento de juros e a devolução do valor emprestado após algum tempo. Nos últimos anos, o país que mais tem comprado títulos dos EUA foi a China. A China compra títulos do Tesouro americano com – adivinhem! - dólares... dólares que foram juntados durante anos como sua reserva monetária.

A China não quer perder dinheiro. Quer recebê-lo com juros e em moeda forte. Mas a moeda americana tem se enfraquecido. Tem se enfraquecido porque o governo tem emitido muita moeda. Tem emitido moeda pra saldar a dívida pública e pra realizar seus projetos. Pra realizar seus projetos, tem vendido títulos do Tesouro. Quem tem comprado os títulos do Tesouro são a China e outros países. O dinheiro obtido pelos EUA através da venda de títulos, nos anos recentes, tem sido utilizado para emprestar às famílias para que aumentem o consumo e assim façam girar a economia. Os contratos dos empréstimos têm sido negociados na bolsa de valores. As famílias, muito pobres, não tem tido como honrar seus compromissos. O não pagamento dos contratos afeta negativamente o setor financeiro e, por conseguinte, toda a economia real. O governo, então, tem que se empenhar em “salvar” a economia. Para isso, tem que usar... dinheiro. Como conseguir dinheiro? Vendendo títulos, emitindo moeda. Emitindo moeda, esta se enfraquece. Enfraquecendo-se a moeda, o credor desconfia... comprando menos títulos. O que a China tem feito?

“A China está a reduzir a compra de títulos do Tesouro dos EUA, e prefere agora comprar títulos de mais curto-prazo do que de prazo mais longo. A China está a entrar em “swaps cambiais” [troca mútua de moedas diferentes] com outros países, como a Argentina, de forma a que nenhum deles tenha de usar dólares nas suas transações. E a China está a propor a criação de uma reserva monetária alternativa baseada nos Direitos de Saque Especiais (DSE) criados pelo Fundo Monetário Internacional, que se baseiam num cabaz de moedas. A Rússia apoiou esta proposta.”

Bem, estas são, em linhas gerais, algumas das determinações da profunda crise econômica que assola o sistema mundial. Wallerstein acredita que os EUA estejam num beco sem saída. Alta dívida pública, moeda enfraquecendo, menos títulos sendo comprados, menos dinheiro entrando, crise financeira, menos consumo, pobreza aumentando... e agora, José? Diz Wallerstein: “Todos os atores principais têm esperança de que possa haver uma aterragem suave, uma transição ordeira para fora do dólar norte-americano. Ninguém quer precipitar uma queda livre, porque ninguém está certo de sair em frente se tal acontecer. Mas se o estímulo dos EUA se vier a demonstrar a última das bolhas, o dólar pode bem deflacionar subitamente numa forma muito caótica. A expressão usada para dizer 'estouro' [stampede] em francês é 'sauve-qui-peut', cuja tradução literal é 'salve-se quem puder.'”

A crise está perto de acabar? Não, é o que diz um recente relatório do Grupo de Trabalho do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) que se reuniu no mês passado em Buenos Aires para analisar a conjuntura mundial. Segundo esse relatório, “a maioria das estimativas indicam que se assistirá a um longo período depressivo, ou a uma recuperação muito lenta que no melhor dos casos permitirá alcançar, em mais alguns anos, os níveis de produção anteriores à crise e só em meados da década seguinte os níveis de emprego. Em matéria social, a situação é dramática e demonstra que os principais afetados são os trabalhadores e sectores sociais empobrecidos, pois mantém-se a tendência para o aumento do desemprego, à deterioração do rendimento e, em geral, à precarização dos trabalho e uma pauperização crescente que deteriora a qualidade de vida de milhões de pessoas de menores rendimentos.”

Ainda segundo os autores do relatório, a crise parecia indicar no início uma mudança nas políticas econômicas neoliberais, havendo mesmo quem falasse em transformações estruturais na ordem internacional e fim da hegemonia dos EUA. No entanto, o que acabou se verificando de fato foi um conjunto de medidas que acabaram por “estabilizar transitoriamente as condições da acumulação capitalista e proporcionar a confiança do grande capital transnacional”, a partir de uma fortíssima intervenção estatal e de medidas em engenharia financeira. É nesse sentido que devem ser compreendidas as “as operações de salvamento do sector financeiro e de algumas transnacionais da produção dos países do capitalismo central levadas a cabo com recursos do orçamento público, recorrendo ao aumento explosivo do endividamento público e à contínua exacção de recursos provenientes dos países da periferia capitalista. A isto soma-se a decisão política de financiar a estabilização relativa do dólar, bem como a ressurreição do Fundo Monetário Internacional decretada pelo G-20.” Essas medidas acabaram por aliviar os problemas da reprodução capitalista, mas de forma alguma proporcionaram uma saída definitiva para a crise.

Quais as conseqüências disto para a América Latina? Nosso continente não escapou de sentir os efeitos dessa crise produzida no centro do sistema mundial. Como afirma o relatório do CLACSO, “os processos de neoliberalização impulsionados durante as últimas décadas [na América Latina] acentuaram a dependência e forçaram uma reestruturação económica regressiva, provocando uma crescente vulnerabilidade frente ao comportamento da economia capitalista mundial. Naqueles países nos quais os projecto neoliberal conseguiu implantar-se com maior intensidade, escorando-se além disso com um correspondente marco jurídico-institucional de tipo neoliberal (Tratado de Livre Comércio com os EUA), os efeitos da crise sentiram-se antes e com maior severidade, sobretudo no emprego. Tal é o caso do México, Chile e Colômbia.” [grifos meus].

Os referidos efeitos da crise na América Latina devem-se, portanto, a alta dependência das economias nacionais deste continente às economias dos países centrais do sistema mundial. A respeito disso, é elucidativo o artigo do sociólogo norte-americano James Petras, intitulado A América Latina e o fim do liberalismo social.

Petras faz uma análise histórica e mostra que, em fins da década de 1960, o sistema capitalista entrou numa crise que exigiu dele uma ampla reestruturação. Saía de cena o “Estado de Bem-Estar” e entrava o “neoliberalismo”. Nesse contexto, a América Latina passaria a ser uma espécie de laboratório dessas políticas neo-liberais. A presença do Estado como regulador das economias nacionais se enfraqueceu. Como explica o autor do artigo: “Barreiras comerciais foram reduzidas ou eliminadas, de modo que produtos agrícolas subsidiados dos EUA e da União Européia entraram sem entraves, dizimando a produção alimentar de pequenos agricultores que produziam para consumo local. Sob a doutrina da 'vantagem comparativa' decisores políticos financiaram e promoveram empresas de agro-negócios em grande escala especializadas em produtos de exportação – trigo, soja, açúcar, milho, gado, etc apostando nos preços favoráveis, acesso a mercado favorável e preços razoáveis de alimentos, equipamento agrícolas e importações não agrícolas.”[grifos meus]

Desregulação da economia e privatização das empresas públicas fizeram com que as portas dos países latino-americanos se abrissem para o investimento estrangeiro e ao aumento da dependência deste capital para sustentar o seu crescimento econômico. As economias nacionais começam então a ser controladas “de fora”. A estratégia geral adotada pelos regimes era, conforme Petras, “confiar nos mercados de exportação, a expensas do aprofundamento e ampliação dos mercados internos (consumo local em massa); uma política que confiava no embaratecimento dos custos do trabalho local e na sustentação de altos lucros para a classe dominante agro-mineral. A presença desta última em todos os ministérios econômicos chave dos regime assegurava que às políticas ao seu serviço fosse dado um verniz ideológico com a noção de 'mercados racionais eficientes', deixando de notar a história a longo prazo da instabilidade intrínseca dos mercados mundiais.” [grifos meus]

O Estado nacional deixou então de regular a economia. O capital estrangeiro entrou e tornou a economia dos países dependentes. Os governos passaram a confiar no aumento das exportações de commodities e deixaram de aprofundar o crescimento do mercado interno de seus países, e no aprofundamento das trocas comerciais entre si. Representantes do setor agro-mineral passaram a compor os governos dos seus países e a elaborar políticas que reforçaram esta estrutura. Mas esses regimes neoliberais acabaram entrando em crise. Em 2000-2001, a recessão, o sistema financeiro desregulamentado, o domínio da economia pelos bastiões do mercado livre, a corrupção e a exploração produziram revoltas e lutas sociais e políticas em vários lugares da América Latina. Aos regimes apoiados pelos EUA sucederam governos de centro-esquerda. O que aconteceu, então? Diz Petras:

“Na prática as derrotas políticas dos partidos estabelecidos da direita, e a enfraquecida elite econômica, não serviam de base para transformações socio-econômicas em grande escala e a longo prazo. Os novos regimes de centro-esquerda buscavam políticas socio-econômicas que procuravam "reformar" as elites econômicas forçando-as a acomodarem-se aos seus esforços para reativar a economia e subsidiar os pobres e desempregados. As elites políticas foram retiradas dos gabinetes, uns poucos dos responsáveis mais venais implicados na repressão em massa foram postos em tribunal mas sem quaisquer sérios esforços para transformar o partido – sistema político. Por outras palavras, o fim das elites neoliberais nas crises, induzido pelas políticas de livre mercado, mantidas no lugar, temporariamente suspensas pelos regimes de centro-esquerda com políticas de administração de crise intervencionistas do Estado.” [grifos meus]

Quais foram as políticas adotadas pela centro-esquerda?

“Os novos governos centro-esquerda adoptaram toda uma série de políticas que iam desde incentivos econômicos aos negócios, regulações financeiras, despesas acrescida em programas de pobreza, aumentos de salários generalizados e consulta a líderes de organizações populares. Eles repudiaram os políticos inimigos e os criminosos do período anterior juntamente com a intervenção numas poucas empresas privadas em bancarrota. Estas políticas simbólicas e sólidas asseguraram, temporariamente, o apoio da massa do eleitorado e isolaram e dividiram os sectores mais radicais dos movimentos populares.”

Portanto, basicamente administraram a crise. Procuraram equilibrar-se entre as exigências dos de baixo e os interesses dos de cima. Abandonaram o discurso que pregava mudanças estruturais profundas e adotaram a perspectiva do “crescimento conduzido pela exportação”, mas exportação de produtos primários. Abandonaram a crítica ao investimento estrangeiro e as concepções de re-nacionalizar firmas privadas estratégicas. Mantiveram abertas, finalmente, as portas abertas à entrada do capital estrangeiro em grande escala.

E, nessa empreitada, tiveram sucesso na administração da crise e em se manter no poder, pois o boom das commodities verificado entre 2003 e 2008 permitiu a neutralização da oposição. Como explica Petras, “sindicatos receberam substanciais aumentos de salários, negócios receberam incentivos substanciais, investidores estrangeiros foram saudados, remessas de trabalhadores expatriados foram encorajadas, como contribuições para a redução da pobreza.” Portanto, toda a estrutura sócio-econômica de desenvolvimento latino-americano estava orientada pelas exportações para o mercado mundial e era condicionada pela situação econômica dos países de centro. É isto o que explica a vulnerabilidade dessas economias periféricas. Daí que, como afirma Petras, “Após apenas cinco anos de rápido crescimento induzido pelo mercado de exportação, as economias latino-americanas entraram em crash. Segundo a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina, as exportações dos países latino-americanos e caribenhos em 2009 mostrarão a queda mais aguda ao longo de mais de 72 anos (desde a última depressão mundial). As exportações regionais declinarão 11% em volume, ao passo que as importações cairão 14%, a maior queda desde a recessão mundial de 1982.” [grifos meus]

É por isso que “as recessões passadas e presentes têm um impacto agudo sobre a América Latina porque tanto agora como no passado as suas economias dependem de exportações agro-minerais para mercados imperiais, os quais rapidamente comutam as suas crises internas para os seus parceiros comerciais latino-americanos. O declínio histórico no comércio inevitavelmente duplica e triplica a taxa de desemprego entre os trabalhadores dos sectores de exportação e tem um efeito multiplicador sobre empresas econômicas satélite ligadas às despesas e aos consumos gerados pelo comércio além-mar. A especialização em exportações agro-minerais limita as possibilidades de emprego alternativo de um modo que uma economia mais diversificada não faz. A dependência do Estado, para a maior parte das suas receitas, das exportações de agro-minerais e de energia significa cortes automáticos no investimento público e nas despesas com serviços sociais.” (cf. Petras).

Todas as economias latino-americanas sentiram mais ou menos os mesmos efeitos da crise. Apenas aquelas que, como o Brasil, possuíam uma estrutura econômica mais diversificada e mais parceiros comerciais, tiveram uma pequena atenuação desses efeitos. Petras define como “social-liberalismo” esses governos de centro-esquerda cuja postura adotada para a administração das crises do capital pode ser resumida no seguinte: “atar aumentos em despesas sociais às estruturas econômicas políticas comerciais existentes, com alguns ajustamentos em parceiros comerciais e em alguns casos 'joint-ventures' com investidores estrangeiros. Durante o período todo o conjunto de regime praticou políticas sociais liberais familiares a observadores dos regimes social-democratas europeus contemporâneos: eles combinaram livre comércio e uma porta aberta ao investimento estrangeiro com gastos maiores em programas anti-pobreza, benefícios de desemprego e aumentos no salário mínimo. Por outro lado vastos lucros acumularam-se nas mãos das elites agro-minerais e do sector bancário, o qual financiou comércio, consumo e rolagem da dívida.” [grifos meus]

E no Brasil, especialmente, o que isto significa? A resposta é de Plínio de Arruda Sampaio: “Por um lado, a substituição do modelo industrial por um modelo primário-exportador aprofunda a dependência e provoca, além de permanente instabilidade econômica, um forte movimento de regressão neocolonial, que se expressa, maiormente, no plano da cultura das elites e do povo; por outro lado, a evidente viabilidade do modelo primário-exportador (tanto pelo lado da demanda externa como das potencialidades de oferta da economia nacional) traduz-se na possibilidade de um ritmo de crescimento econômico, insuficiente para assegurar a justiça social, porém suficiente para incorporar crescentemente alguns setores da massa num nível de consumo baixo, mas superior ao que estavam acostumados. O resultado óbvio desse processo é a legitimação do modelo e do regime.” [grifos meus]

Estes são alguns dos elementos da atual conjuntura. Apesar das tremendas dificuldades e da complexidade do cenário que se abre diante das forças sociais que objetivam a emancipação humana, não há que se intimidar, pois algumas perspectivas interessantes se estabelecem. Uma proposta coerente é formulada pelo filósofo italiano Domenico Losurdo por meio destas palavras:

“Encontramo-nos hoje numa situação que tem perspectivas positivas e encorajadoras: 1. sob o ímpeto da luta anti-imperialista ressurgem povos e civilizações que estavam a ser destruídas pelo colonialismo: pense-se no papel crescente dos índios na América Latina; 2. o prodigioso desenvolvimento de um país como a China quebra o monopólio tecnológico detido pelo Imperialismo. A “grande divergência”, como lhe chamam os historiadores, para quem a dada altura se abriu um abismo entre os países capitalistas avançados e o Terceiro Mundo, esta “great divergence” tende a reduzir-se; 3. A tomada de consciência da crise do capitalismo dá um novo impulso à perspectiva do socialismo para além do Terceiro Mundo, também nos países capitalistas avançados. Por outro lado vemos os países-guia do capitalismo imersos numa profunda crise econômica e cada vez mais desacreditados a nível internacional; ao mesmo tempo continuam a agarrar-se à pretensão de ser o povo eleito de Deus e a aumentar febrilmente a sua já monstruosa máquina de guerra e a estender a sua rede de bases militares a todas as partes do mundo. Tudo isto não promete nada de bom. É a presença conjunta de perspectivas prometedoras e de ameaças terríveis a tornar urgente a construção, a nível internacional, de um novo bloco histórico, para usar a linguagem de Gramsci. Não é uma empresa fácil, porque se trata de juntar forças em contextos histórico-culturais e situações políticas e geopolíticas assaz diversas. E este novo bloco histórico, que pode dar um novo impulso ao internacionalismo, apenas poderá ser construído se os partidos comunistas, inclusive aqueles dos países capitalistas avançados, por um lado recuperarem o orgulho na sua própria história e, por outro, reforçarem a sua capacidade de análise concreta da situação concreta.”


Referências:

CONSELHO LATINO-AMERICANO DE CIÊNCIAS SOCIAIS (CLACSO) - "Até o momento nada indica que a crise tenha chegado ao fundo". http://www.resistir.info/crise/clacso_declaracao.html

LOSURDO, Domenico. O que significa internacionalismo hoje?. http://resistir.info/varios/losurdo_internacionalismo_p.html

OLIVEIRA, Francisco de. Crise financeira? http://www.cartamaior.com.br/templates/materia Mostrar.cfm?materia_id=15900

PETRAS, James. A América Latina e o fim do liberalismo social. http://www.resistir.info/ petras/petras_09set09.html

SAMPAIO, Plínio Soares de Arruda. O dilema da esquerda brasileira. http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3755/128/

WALLERSTEIN, Immanuel. O dólar a afundar-se. http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=12883&Itemid=130

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Lucien Goldmann – a fé profana e a aposta dos revolucionários

Uma das grandes questões debatidas pelos revolucionários é a sobre a possibilidade da revolução, da transformação radical do mundo capitalista e da construção de uma comunidade humana emancipada (comunismo). Afinal, tais coisas são possíveis? A modificação profunda e estrutural da sociedade capitalista se verificará um dia? Ou tudo permanecerá para sempre tal e qual é no presente? O pensador marxista romeno-francês Lucien Goldmann (1913-1970) desenvolveu teorizações importantes a esse respeito.

É preciso que se entenda, primeiramente, que a concepção sobre a possibilidade (ou impossibilidade) da revolução não se assenta em “juízos do indicativo”, isto é, em juízos científicos sobre o real. Goldmann parte da premissa de que não são “juízos de fato” - o que é – que poderão nos dar a certeza sobre o que poderá vir a ser, um dia, a sociedade humana. Não há certeza quanto ao futuro. Não há nada na realidade atualmente estabelecida que permita a quem quer que seja afirmar, com plena segurança, que a transformação radical do mundo irá acontecer ou não. Fosse a realidade finita, quiçá tivéssemos a chance de conhecê-la em sua inteireza. Mas não é. Trata-se, então, de uma questão de apostar.

Isto significa desprezar a razão e descartar o estudo consciente e sistemático da realidade concreta? É evidente que não. Se queremos transformar o mundo, revolucioná-lo, é preciso conhecê-lo o mais rigorosamente possível. É necessário realizar uma “análise concreta da situação concreta” para, em seguida, elaborar uma estratégia política de enfrentamento e superação da conjuntura posta. Mas, por mais que o saber nos dê alguma orientação sobre como agir diante de uma situação, ele não nos dá garantia de sucesso para o nosso empreendimento, pois cada ação carrega consigo um núcleo irredutível de não-saber sobre o contexto no qual nos movemos. Pensamos, elaboramos mentalmente, estabelecemos relações de causa e efeito entre os eventos, apreendemos uma parcela da infinitude do real que nos cerca, mas não apreendemos tudo. A razão, o pensamento, a teoria, têm sua importância e nós não devemos renunciar a elas. Mas aquilo que não sabemos sobre o real é sempre maior do que aquilo que sabemos. Portanto, o não-saber está sempre conosco, e nossas ações estão indefectivelmente imbuídas dessa incerteza.

Não devemos, contudo, nos intimidar. Temos que agir, mesmo sem a garantia absoluta do sucesso. Devemos usar a razão, aproveitar aquilo que ela nos faculta, e devemos aceitar também os seus limites, o não-saber, a incerteza sobre a multiplicidade de fatores que compõe a conjuntura na qual nos inserimos. Precisamos, portanto, apostar. A aposta revolucionária envolve justamente isto: a aceitação de que, apesar de usarmos a razão para nos orientarmos quanto ao movimento da realidade, ela nunca dá conta da totalidade do real. Toda ação envolve, portanto, risco, perigo de fracasso e esperança de sucesso. São estes os elementos que compõem a aposta dos revolucionários. Tal aposta não pode ser convertida em objeto de “prova” ou demonstração fatual por parte da ciência. Ela é decidida tão somente na ação comum, na práxis coletiva.

Todos nós devemos, todos os dias de nossas vidas, apostar – individual e coletivamente – em ações cujo sentido é dado pelo desejo de realização dos nossos objetivos. Se aceitamos essa tese, defendida por Goldmann em suas obras das décadas de 1950 e 1960, devemos concluir que, na ação revolucionária, a é um elemento de suma importância. A fé se baseia justamente na aposta. Mas não é, nesse caso, a fé religiosa numa realidade sagrada e transcendental, e sim a fé profana numa possibilidade imanente à sociedade: a da emancipação humana em relação às determinações fetichistas do capital.

A fé marxista é, assim, bem entendido, uma certa “atitude total, referente a valores transindividuais e capaz de abranger simultaneamente, numa unidade orgânica, 'a compreensão da realidade social, o valor que a julga e a ação que a transforma'” (cf. Löwy, p. 176). A fé marxista é, pois, uma fé na comunidade e em valores transindividuais. Lucien Goldmann a definiu sabiamente com estas palavras:

"A fé marxista é uma fé no porvir histórico, feito pelos próprios homens ou, mais exatamente, que cabe a nós fazer por nossa atividade, é uma aposta no sucesso de nossas ações; a transcendência que é objeto dessa forma de fé já não é nem sobrenatural nem trans-histórica, mas supra-individual, nada mais, mas também, nada menos."

A transformação revolucionária da sociedade não se faz, portanto, sem essa aposta. Assumamos, então, as possibilidades da razão, assumamos suas limitações, assumamos a fé profana na possibilidade da emancipação humana. Aceitemos o risco, o perigo do fracasso e a esperança do êxito. Apostemos, ajamos e sigamos em frente.

Referências:

LÖWY, Michael e NAÏR, Sami. Lucien Goldmann – ou a dialética da totalidade. São Paulo: Boitempo, 2008.

domingo, 11 de outubro de 2009

Internet e possibilidades de emancipação: Reflexões em torno do pensamento de Slavoj Zizek

É relativamente fácil constatar que a World Wide Web afeta, hoje, a vida de todos. Um exemplo banal: nos últimos dias de 1999, pessoas ao redor do mundo inteiro quase entraram em paranóia em razão de uma “não-entidade” denominada “bug do milênio”, que poderia ter desencadeado efeitos catastróficos, tanto em nível de economia internacional, quanto em relação à vida cotidiana em suas facetas mais comezinhas – alterar o controle do suprimento de água, por exemplo. Nada aconteceu, de fato, naquela ocasião. Mas esse “bug do milênio” serviu para confrontar-nos com o fato de que nossa vida “real” sofre uma influência muito grande dessa ordem virtual de conhecimento objetivado a que nós chamamos pelo nome familiar de Internet. E também para mostrar-nos, por conseguinte, como essa rede adquiriu nos últimos anos uma importância social e política muito grande.

Mais difícil que reconhecer isso é encontrar um posicionamento crítico sobre o assunto, que evite - ou mesmo transcenda -, as soluções extremas – e, por que não dizer, fáceis - dos tecnófilos e tecnófobos de plantão. Nesse sentido, aqueles que por empatia se colocam ao lado dos que buscam a emancipação das relações sociais alienadas e alienantes de civilização burguesa atual podem encontrar uma proposta coerente nas obras do filósofo esloveno Slavoj Zizek.

O tema das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, em geral, não é central na obra de Zizek. Muito menos, o tema específico da Internet. Em verdade, todas essas questões são tratadas de forma marginal em seus textos, que versam sobre psicanálise, filosofia, sociedade, política e outros assuntos. Há que se compreender, portanto, algo dessas teorizações, antes de se apreender como o pensador esloveno concebe as possibilidades emancipatórias abertas pelo advento da Internet.

A teoria social e política de Zizek está imbuída do objetivo de “reencontrar este momento único no qual um pensamento ainda se transpõe em uma organização coletiva, mas ainda não se fixa em uma instituição” (Zizek, apud Safatle, 2003, 181). Esse momento em que o pensamento e a atividade coletiva se encontram é o da ação política soberana. Esta, em verdade, é concebida como o ato que instaura a partir de si mesmo sua própria legalidade ao “suspender a Lei”, abrindo assim a possibilidade de emancipação. Nesse contexto, é imprescindível para a teoria de Zizek a categoria filosófica da negatividade.

Baseado fundamentalmente em Lacan e Hegel, Zizek desenvolve uma teoria do sujeito repleta de conseqüência políticas e apta a guiar práxis sociais de cunho emancipador. Segundo Lacan, no inconsciente não há nenhuma positividade primeira. Ele não é “uma caixa de Pandora de onde sairiam pulsões não-socializadas e conteúdos recalcados. Ele é, antes, aquilo que, no sujeito, se define por resistir continuamente aos processos de auto-reflexão. Ele [o inconsciente] é lugar do que só pode aparecer como irredutivelmente negativo [grifo nosso] no sujeito. De onde se segue a importância do tema do descentramento do sujeito do inconsciente (e não seu abandono). Descentramento que indica a posição de não-identidade que um conceito não substancial de sujeito sempre sustentará diante dos espaços de representação, de auto-apreensão reflexiva e de identificação social” (cf. Safatle, 2003, 182).

O que significa isto exatamente? Para a psicanálise clássica, a cura da neurose se realizava quando os conteúdos do inconsciente eram trazidos ao campo da consciência para aí então serem superados. Contudo, se o inconsciente não é uma caixa repleta de conteúdos, mas a própria resistência em se tornar consciente, ou seja, a própria negatividade, é esta negatividade mesma, “vazia de conteúdo”, que tem de ser transposta “para fora”, que tem de ser atualizada. Lacan, portanto, realiza uma articulação entre sujeito e negatividade que são caras a Zizek em seu intento de fundamentação de um projeto de emancipação do sujeito. O que o filósofo esloveno faz então é tirar uma conclusão política da teoria lacaniana do sujeito. Dito de outro modo: Zizek politiza o sujeito lacaniano. Nas suas palavras: “O sujeito é inerentemente político no sentido que ‘sujeito’, para mim, denota uma partícula de liberdade, já que ele não fundamenta suas raízes em uma substância firme qualquer, mas que se encontra em uma situação aberta” (Zizek, apud Safatle, 2003, 183).

Para Zizek, “a experiência da negatividade do sujeito indica, entre outras coisas, como o desejo não se satisfaz na assunção de identidades ligadas a particularismos sexuais. O sujeito é aquilo que nunca é totalmente idêntico a seus papéis e identificações sociais [grifo nosso], já que seu desejo insiste enquanto expressão da inadequação radical entre o sexual e as representações do gozo” (Safatle, 2203, 183). Ser sujeito, portanto, não é assumir uma identidade eventualmente recalcada por pressões sociais e/ou psicológicas. É, ao contrário, o próprio ato de negação de uma identidade que nos é imposta. Daí a renúncia de Zizek em compactuar com qualquer política de identidade, pois estas, no seu entender, acabam fazendo o jogo da ideologia e, por conseguinte, do capital. Pois o capital acomoda-se muito bem às políticas de identidade e à multiplicidade de identidades. É por isso que, segundo Zizek, toda política da identidade faz o jogo do capital.

Explicamos melhor: algumas vertentes das teorias emancipatórias clássicas preconizavam a crítica da ideologia como condição para a emancipação. O sujeito atua no capitalismo, aliena-se e forma uma determinada representação sobre si – representação que em si mesma é falsa – e que impede que ele se dê conta daquilo que ele “realmente é”, de sua “identidade”, por exemplo, de trabalhador alienado, explorado, oprimido. Havia uma identidade subterrânea soterrada que precisava ser resgatada a fim de se promover o ato transformador.

Zizek não quer resgatar nenhuma identidade. Ao contrário, ele desconfia da assunção de identidades. O que ele visa é, justamente, negar, recusar, romper com as identidades que nos são atribuídas pelo capital. Assim, a universalização pretendida não é a universalização da identidade, mas a universalização da negação, da recusa, da atitude crítica. É por isso que “a negação pode nos abrir uma via para a fundação de um universal não-substancial caro a um pensamento crítico de esquerda que não queira entregar o discurso do universalismo aos arautos do capitalismo global. Contra uma política das identidades, uma política da universalidade da inadequação” (cf. Safatle, 2003, 184). O ato político por excelência é justamente a suspensão desse universal simbólico que nos é dado pelo capital e que se expressa fundamentalmente no ordenamento jurídico em vigência. É por esse motivo que Zizek afirma que “a verdadeira escolha livre é aquela na qual eu não escolho apenas entre duas ou mais opções no interior de um conjunto prévio de coordenadas, mas escolho mudar o próprio conjunto de coordenadas” (Zizek, apud Safatle, idem, 185). A verdadeira escolha livre, o ato político par excellence, é a suspensão de uma determinada ordem jurídica.

Mas e onde a Internet entra nisso tudo? Existe algum potencial inerente à Internet, mediante o qual as pessoas podem exercer a negatividade e assim transformar o existente, superando finalmente a sua condição de miséria e opressão? Em Às portas da revolução (São Paulo: Boitempo, 2005), Zizek se pergunta: “Não haveria também na World Wide Web um potencial explosivo para o próprio capitalismo?” E a sua conclusão é de que sim, existe. Seu raciocínio, aqui, está mais centrado na dimensão econômica do problema: a Internet, com sua possibilidade de livre compartilhamento dos mais diversos materiais, promove uma crise da propriedade privada. Nesse contexto, “o antagonismo-chave das chamadas novas indústrias (digitais) é, portanto, como preservar a forma da propriedade (privada), a única maneira pela qual a lógica do lucro pode prevalecer.” (Zizek, 2005, 322). Promovendo a crise da propriedade privada, as condições para o lucro ficam inviabilizadas, fato que faz com que sejam abalados os próprios fundamentos do sistema capitalista. (Também não deixa de estar contemplado, aqui, o elemento cultural do problema, visto que aquilo que se compartilha via rede são os mais variados conteúdos relacionados com o conhecimento, a arte, o lazer. As pessoas passam a dispor de materiais que não conseguiriam adquirir de outra forma, a não ser pelo intermédio da Internet. Isso também lhes confere o contato com um elemento que repercute na dinâmica da sua personalidade e nas suas ações).

Em artigo de 29 de outubro de 2000, no jornal Folha de São Paulo, comentando sobre a ameaça de que a influência da Internet sobre nossas vidas cotidianas torne possível “um controle à maneira do ‘Big Brother’, diante do qual a velha supervisão da polícia secreta comunista [seria] uma primitiva brincadeira de criança”, Zizek defende que para se evitar isso não se deve repudiar totalmente a tecnologia, como se ela fosse um mal em si. “Aqui, mais do que nunca, deve-se insistir que a melhor reação [...] não é a retirada para alguma ilha de privacidade, mas a socialização mais vigorosa do espaço cibernético [grifo nosso]” (Zizek, Paranóias Virtuais, Folha de São Paulo, 29/10/2000). Zizek está, agora, tratando da dimensão política que envolve o problema das Novas Tecnologias: o poder de controlar a vida das pessoas. Sua conclusão, então, é de que somente a ampla socialização da rede impediria o controle sobre a vida das pessoas e permitiria que elas mesmas comandassem os processos que regulam as suas vidas: economia, política, cultura, etc.

Avançando ainda mais na reflexão, pode-se, agora, retornar ao ponto inicial da reflexão a fim de se compreender a principal potencialidade inerente à Internet, com vistas a que se torne instrumento capaz de contribuir para a solução do problema da emancipação social, política, econômica e cultural das classes oprimidas: com base nas teorizações de Zizek, é possível afirmar que as pessoas podem, por intermédio da rede, compartilhar sua experiência da inadequação no mundo capitalista. Surge com a Internet a possibilidade de os indivíduos se aproximarem, se comunicarem, trocarem idéias, se organizarem e elaborarem estratégias de questionamento prático sobre o ordenamento político e jurídico que rege suas vidas na realidade “real”. Um exemplo disso foram as manifestações estudantis na França, ao logo de boa parte de 2006. Os manifestantes fizeram um amplo uso da Internet para sua comunicação e organização das atividades. Um outro exemplo de compartilhamento da experiência de inadequação são as mídias alternativas, como o centro de mídia independente – popularmente conhecido na rede, em língua portuguesa, como CMI, cujo lema é “Odeia a mídia? Seja a mídia!” – onde as pessoas podem não só receber informações que não passam na grande mídia, mas podem elas mesmas relatar os fatos que vivenciam e que lhes causam perplexidade. E pode-se pensar também que, ao mesmo tempo em que é realizada a crítica das condições existentes, a rede abre inúmeras possibilidades para a consulta e tomada de decisão sobre os assuntos políticos, econômicos e culturais concernentes à vida da coletividade.

Contudo, para que a Internet tenha atualizado esse potencial emancipatório, a condição imprescindível é que as pessoas - o máximo de pessoas possível - possuam livre acesso a ela. Trata-se, então, de liberar o acesso à Internet. Numa palavra, socializar a rede. É por isso que, enfrentando a questão a partir de um ponto de vista que visa à emancipação humana, Zizek pode dizer: “Hoje fico tentado a parafrasear o conhecido slogan de Lênin ‘socialismo = eletrificação + poder dos sovietes’: ‘socialismo = livre acesso à Internet + poder dos soviets’. (O segundo elemento é crucial, uma vez que especifica a única organização social na qual a Internet é capaz de concretizar seu potencial libertador; sem ele, teríamos uma nova versão de tosco determinismo tecnológico)” (idem, 321-2).

Compreende-se, então, que a Internet abre um amplo leque de possibilidades para que as pessoas tomem as rédeas de suas próprias vidas. Para que governem elas mesmas suas existências e não deleguem a outrem esse poder. A Internet guarda um grande potencial crítico, “explosivo”, político, na medida em que se converte em um “lugar” de onde se pode criticar a propriedade privada, exercer o controle sobre os mecanismos que regem a vida em sociedade, denunciar a ideologia, compartilhar a experiência da inadequação e exercer o ato de negação do ordenamento simbólico que nos é atribuído pelo capital. Concordamos amplamente com a defesa de Zizek de que um discurso negativo é condição sine qua non para escapar da ideologia e promover a emancipação, e que a Internet é veículo imprescindível para esse objetivo.

Referências

SAFATLE, Vladimir. A política do Real de Slavoj Zizek. Posfácio de ZIZEK, Slavoj, Bem-vindo ao deserto do Real. Boitempo, São Paulo, 2003. Coleção Estádio de Sítio.

ZIZEK, Slavoj. Paranóias Virtuais. Folha de São Paulo, 29/10/2000.

ZIZEK, Slavoj, Bem-vindo ao deserto do Real. Boitempo, São Paulo, 2003. Coleção Estádio de Sítio.

ZIZEK, Slavoj. Às portas da revolução. Escritos de Lênin de 1917. São Paulo: Boitempo, 2005

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Intelectual Coletivo e a Batalha das Idéias - Notas sobre o pensamento político de Antonio Gramsci

A teoria do partido político da classe operária foi um dos pontos principais do aprendizado de Antonio Gramsci antes de sua prisão pelo regime fascista e ocupa lugar de destaque nos seus Cadernos do Cárcere. Aí estão expostos alguns pontos distintivos fundamentais do partido revolucionário moderno, o partido comunista, que, como se sabe, Gramsci designa com o nome de “moderno Príncipe”. Este “moderno Príncipe” não se encarna num indivíduo, mas numa coletividade. É, por definição, o agente da vontade coletiva transformadora. Aquelas funções que Maquiavel atribuía a uma pessoa singular, Gramsci atribui a um organismo social, o partido político, “um dos elementos mais característicos da rede de organização que forma a moderna sociedade civil” (Cf. Coutinho, p. 117).

Para suas teorizações acerca do partido, Gramsci parte de algumas colocações lenineanas e termina por renovar essa herança de pensamento político. Nessa relação há, sem dúvida, ruptura e continuidade.

Nesse contexto, o que é que se propunha como a tarefa do partido em sua relação com a classe da qual é expressão? No livro Que fazer?, Lênin havia lançado suas primeiras concepções a esse respeito: “A tarefa básica do partido operário de vanguarda, do partido da revolução socialista, é a de contribuir para superar na classe operária uma consciência puramente trade-unionista, sindicalista, fornecendo ao contrário os elementos teóricos e organizativos para que essa consciência possa se elevar ao da consciência de classe, isto é, ao nível da totalidade, da compreensão não de uma conflitualidade imediata entre patrões e operários na luta pela fixação do salário (uma luta que não põe em discussão a própria relação capitalista do salariato), mas sim dos vínculos políticos globais da classe operária com as demais classes da sociedade, antagônicas, aliadas ou potencialmente aliadas. Situando-se nesse nível, graças à mediação do partido, a classe operária enfrenta diretamente a questão do Estado, a questão do poder.” (idem, p. 118).

Gramsci concorda com essa opinião e diz que a tarefa do “moderno Príncipe” é a de superar os resíduos corporativos (os momentos “egoístico-passionais”) da classe operária, que a leva a reivindicar apenas melhores salários e melhores condições de trabalho, “e contribuir para a formação de uma vontade coletiva nacional-popular, ou seja, de um grau de consciência capaz de permitir uma iniciativa política que englobe a totalidade dos estratos sociais de uma nação, capaz de incidir sobre a universalidade diferenciada do conjunto das relações sociais”(idem, p. 118). O partido não é mero organismo corporativo, mas um organismo político, universalizante, que supera os interesses “egoístico-passionais”, na direção de concepções mais abrangentes e de ações de caráter nacional e internacional. O partido representa a elevação de uma parte da classe, de sua “vanguarda”, “da fase econômico-corporativa para fase política, da particularidade para a universalidade, da necessidade para a liberdade” (idem, p. 119). Os trabalhadores devem fazer uso ativo desse instrumento que é o partido para superarem os seus interesses setoriais e meramente corporativos, a fim de atingir uma consciência precisa dos seus interesses enquanto classe, bem como do conflito social, político, econômico e cultural no qual estão inseridos, em relação antagônica com o capital.

Assim, tanto Lênin como Gramsci concordam que a experiência imediata do conflito entre operários e patrões leva apenas a uma consciência limitada, que resulta em passividade e impotência objetiva em face da necessidade social. A consciência de classe é uma consciência que vêm "de fora" - isto é, “de fora da práxis economicista, não de fora da ampla práxis totalizante que envolve o conjunto da sociedade”(idem, p. 119) -, pela mediação do partido. Somente essa passagem permite ao proletariado “superar suas divisões corporativas e tornar-se classe nacional, dirigente, hegemônica” (idem, p. 119).

Gramsci crê que a possibilidade da classe se tornar hegemônica passa pela capacidade de organizar uma vontade coletiva, homogênea e sistemática, capaz de cimentar um novo “bloco histórico” revolucionário, no seio do qual os operários assumem o papel de classe dirigente. Como explica Coutinho, “a construção homogênea dessa vontade coletiva é obra prioritária, segundo Gramsci, do partido político: aparece assim, com clareza, o papel de síntese, de mediação, que o partido assume, não apenas em função dos vários organismos particulares da classe operária (sindicatos, etc.), mas também em função dos vários institutos das demais classes subalternas; e esses organismos e institutos – graças à mediação do partido – tornam-se as articulações do corpo unitário do novo ‘bloco histórico’” (idem, p. 120).

Gramsci não entende a formação da vontade coletiva de modo subjetivista ou voluntarista. Essa vontade coletiva é a “consciência operosa da necessidade histórica” (Gramsci, apud Coutinho, p. 120), ou, a “necessidade elevada à consciência e convertida em práxis transformadora” (idem, p. 120). “E dado que uma vontade coletiva só pode ser suscitada e desenvolvida quando existem condições objetivas para tanto, o partido tem de realizar ‘uma análise histórica (econômica) da estrutura social do país dado’, como condição para elaborar uma linha política capaz de incidir efetivamente sobre a realidade” (idem, ibidem).

A ação política ideal é aquela que sintetiza espontaneidade e direção consciente. Nem o espontaneísmo sozinho pode conduzir a classe operária à consciência de classe, nem um ato arbitrário do partido imposto “pelo alto”. O caminho proposto por Gramsci é uma unidade entre ambas as coisas. Nas palavras do filósofo italiano, “essa unidade da ‘espontaneidade’ com a ‘direção consciente’ (ou seja, com a ‘disciplina’) é precisamente a ação política real das classes subalternas, enquanto política de massa e não simples aventura de grupos que dizem representar as massas” (Gramsci, apud Coutinho, 121). A tarefa central do partido é buscar essa unidade.

Realizando a mediação entre espontaneidade e disciplina, o partido investe na “reforma intelectual e moral” da sociedade, tão necessária à construção da vontade coletiva. A criação de uma nova cultura é também uma tarefa do partido, concomitantemente à busca das transformações sociais, econômicas e políticas. “O moderno Príncipe deverá e não poderá deixar de ser o pregador e organizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa, de resto, criar o terreno para um desenvolvimento ulterior da vontade coletiva nacional-popular no sentido da realização de uma forma superior e total de civilização moderna” (Gramsci apud Coutinho, p. 121, grifo nosso). O moderno Príncipe deve combater nas frentes cultural, econômica e política, todas decisivas na luta das classes subalternas.

Mas apesar de manter uma certa continuidade com os “clássicos” marxistas (Engels, Lênin), Gramsci realiza inovações nessa tradição de pensamento político. Isto pode ser bem visualizado ao analisarmos o conceito de hegemonia. A hegemonia é justamente o consenso e a direção político-ideológica de uma classe sobre a sociedade. O “moderno Príncipe”, isto é, o partido político, deve se esforçar por conquistar a hegemonia antes mesmo de tomar o poder. É visando a hegemonia que se deve entrar na “batalha cultural” ou “batalha das idéias”. Como diz Coutinho, “sem uma nova cultura, as classes subalternas continuarão sofrendo passivamente a hegemonia das velhas classes dominantes e não poderão se elevar à condição de classes dirigentes. Gramsci diz sempre que a direção política é ineliminavelmente direção ideológica: lutando pela difusão de massa de uma nova cultura – ou seja, de uma cultura que recolha e sintetize os momentos mais elevados da cultura do passado, que una a profundidade intelectual do Renascimento com o caráter popular e de massa da Reforma, o ‘moderno Príncipe’ estará criando as condições para a hegemonia das classes subalternas, para sua vitória na ‘guerra de posições’ pelo socialismo” (p. 122).

A “reforma intelectual e moral”, portanto, é condição sine qua non para a conquista da hegemonia nas sociedades ocidentais. É por essa razão que Gramsci dá especial atenção aos intelectuais na formação e na construção do partido político. Nesse contexto, todos os membros do partido podem ser considerados intelectuais. Isto porque não é o nível de erudição que faz de uma pessoa um intelectual, mas sua capacidade diretiva, organizativa, educativa. Quem é capaz de dirigir, organizar, educar é, na concepção gramsciana, um intelectual. “Por isso, interpretando adequadamente o pensamento de Gramsci, Togliatti designou o partido da classe operária como ‘intelectual coletivo’. Mas, se examinarmos a concepção que tem Gramsci dos próprios intelectuais, talvez não seja exagerado inverter a afirmação de Togliatti e dizer que, para nosso autor, também o intelectual é um partido político” (idem, p. 122-3). As noções de “intelectual” e “partido” estão intimamente vinculadas no pensamento de Gramsci.

Além disso, o filósofo define dois tipos principais de intelectual. O primeiro é o “intelectual orgânico”, que possui estreita ligação - “orgânica” - com uma classe social determinada no modo de produção. Sua função é dar homogeneidade e consciência a essa classe, nos campos econômico, social e político. Em segundo lugar, temos os “intelectuais tradicionais”, que estiveram ligados a classes importantes do passado e que, depois do desaparecimento de tais classes, permanecem como uma camada relativamente autônoma e independente. Ambos os tipos desempenham objetivamente funções análogas às do partido político, quais sejam, dar homogeneidade e consciência à classe a qual se vinculam ou aderem, e, dessa forma, preparar a hegemonia desta classe sobre o conjunto dos seus aliados. “São, em suma, instrumento da consolidação de uma vontade coletiva, de um ‘bloco histórico’” (idem, p. 123).

Resta, ainda, tecer algumas considerações sobre a estrutura interna do “moderno Príncipe”. Ora, para Gramsci, todos os membros do partido são intelectuais, mas nem todos o são do mesmo modo. O filósofo marxista afirma que o partido deve se basear em “três grupos de elementos”: “1) um estrato de ‘homens comuns, médios’, caracterizados mais pela disciplina e fidelidade’ do que pelo espírito criativo’; 2) um estrato coesivo principal, que organiza e centraliza, ou seja, que dirige o partido; 3) e um estrato intermediário, que serve de ligação entre os outros dois, apresentando traços de um e de outro” (idem, p. 124).

Mas Gramsci não concebe essa divisão como algo eterno e imutável. Ao contrário, “ele não só prevê uma grande mobilidade interna no partido, mas – a longo prazo – crê que seja tarefa do partido eliminar a própria diferença, assim como o Estado deverá eliminar a diferença entre governantes e governados, no processo de dissolver o Estado nas organizações da ‘sociedade civil’” (idem, p.124-5).

Enfim, Gramsci, como Lênin, concebe o partido como a vanguarda da classe operária. Essa vanguarda é um todo coeso estruturado, que combina espontaneidade e disciplina. E é porque tem essa forma que pode “se tornar organizador e expressão de uma vontade coletiva” (idem p. 125). Esse partido de forma alguma é burocrático. É centralizado, coeso e democrático, pois, promove a circulação entre os três estratos internos. É progressista, ao invés de regressivo e repressor, e é “deliberador” e não apenas “mero executante”.

Diante disso, algumas questões de suma importância que se colocam para a classe trabalhadora nos dias atuais é: como impedir que os partidos da classe operária sejam subsumidos pela lógica fetichista e alienante do capital e como fazer com que se afirmem como instrumentos eficazes na batalha das idéias – a conquista da hegemonia – com vistas à superação do sistema do capital enquanto modo de controle hierarquicamente estruturado sobre o metabolismo social?

REFERÊNCIA:

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. L&PM, Porto Alegre, 1981 (Coleção: Fontes do Pensamento Político).