domingo, 18 de outubro de 2009

A América Latina e a Crise - Notas sobre a conjuntura

A possibilidade de superação do sistema do capital depende, dentre outras coisas, da capacidade dos sujeitos imbuídos desse propósito elaborarem estratégias eficazes para o seu enfrentamento e para a implementação de uma alternativa viável a este tipo de formação econômico-social. Isso exige atenção demorada e esforço constante para analisar criticamente a situação histórica concreta na qual todos nós estamos inseridos. O que é e de que maneira a atual crise afeta o mundo, a América Latina e o Brasil? Este é, certamente, um assunto bastante complexo, mas que não podemos contornar, visto que somente o estudo aprofundado dessa conjuntura específica permitirá a elaboração de um projeto político radicalmente emancipador. Temos então de nos debruçar sobre tais problemas com os recursos e as armas intelectuais de que dispomos. Acredito que alguns cientistas sociais podem nos ajudar neste sentido, pois têm produzidos estudos importantes sobre esses temas da contemporaneidade, partindo do ponto de vista das classes e grupos sociais que sofrem diretamente a opressão do sistema mundial produtor de mercadorias. Eis alguns deles:

O que é a crise? Francisco de Oliveira, em recente publicação intitulada Crise financeira? esclarece o seguinte: a globalização expandiu as relações capitalistas pelo mundo. Como conseqüência, verificou-se, nas últimas décadas, a integração e a complementação entre as economias dos EUA, da China e da Índia. Na Ásia, grosso modo, 800 milhões de trabalhadores são integrados ao sistema de extração de mais-valia, passando a produzir o valor que é realizado no consumo de outras tantas centenas de milhões de habitantes dos países do centro do capitalismo. Nesse movimento, o crescimento econômico de tais países acontece de forma desparelha (em torno de 10% na China e 3 ou 4% nos EUA). Por que? Porque, dentre outras coisas, as profundas modificações técnico-científicas na estrutura industrial chinesa barateiam os custos de produção (na China) e da reprodução da força de trabalho (nos EUA e demais países que compram aqueles bens). A China, então, produz muito, vende muito e ganha muito. Os EUA, na outra ponta, consomem muito. Entretanto, suas classes trabalhadoras não têm o salário monetário aumentado. Por isso, a China, com muito dinheiro em caixa, empresta aos EUA que, na seqüência, permitem, sem maiores critérios, a expansão do crédito para que os norte-americanos comprem carros e também a sua “casa dos sonhos”. Esses dívidas – que as pessoas, em virtude de sua baixa renda, acabarão não pagando - são negociadas nas bolsas de valores. O não cumprimento dos contratos desencadeia um efeito dominó sobre os mercados financeiros do planeta, fato que, a seu turno, repercute efeitos sobre a “economia real” com menos investimento na produção (e assim por diante...). Note-se como a crise envolve os setores produtivo, comercial e financeiro, que são partes de um complexo de processos que abrange hoje o mundo inteiro.

Num também recente artigo intitulado O dólar a afundar-se, Immanuel Wallerstein complementa essa interpretação ao explicar o porquê de a China estar tão interessada em que os EUA se recuperem da crise atual. Em seu texto, o sociólogo norte-americano afirma que há duas maneiras de se armazenar riqueza: ou em estruturas físicas reais, ou em alguma forma de dinheiro (moeda, títulos, ouro), sendo que o dinheiro é, na verdade, “uma invocação potencial de estruturas físicas”. Uma reserva monetária, continua Wallerstein, é a forma mais confiável de dinheiro e o modo mais seguro para armazenar riqueza que não esteja na forma de estruturas físicas. Ora, desde 1945, a moeda de reserva mundial é o dólar estado-unidense. Todos os países procuram, portanto, armazenar riquezas na forma de dólares. Nesse contexto, diz Wallerstein, “o país que emite a moeda de reserva tem uma vantagem única sobre todos os outros países. É o único país que pode legalmente imprimi-la, sempre que achar que é do seu interesse fazê-lo.” As moedas dos países têm taxas de câmbio com outros países. Cada vez que se realiza uma transação comercial no mercado exterior, as moedas nacionais precisam ser convertidas numa outra que serve como o padrão de equivalência entre todas as demais. Pois esta é, justamente, o dólar. Até 1973, a taxa de câmbio do dólar era fixa e estava atrelada ao ouro. Depois dessa data, os EUA resolveram acabar com essa relação entre ouro e dólar, fato que fez sua moeda começar a flutuar contra outras moedas para cima e/ou para baixo. Quando o dólar esteve mais baixo em relação à moeda inglesa, por exemplo, era mais fácil para os EUA vender produtos para a Inglaterra, pois este país precisava de menos libras esterlinas para comprar aqueles produtos. Mas isso faz com que as importações dos EUA fiquem mais caras, porque, nesse caso, necessita-se de mais dólares para comprar os produtos importados.

É melhor ter uma moeda forte ou uma moeda enfraquecida? Diz Wallerstein: “No curto prazo, uma moeda enfraquecida pode aumentar o emprego em casa. Mas esta é, na melhor das hipóteses, uma vantagem de curto prazo. A médio prazo, há maiores vantagens em ter a chamada moeda forte. Quer dizer que o detentor de tal moeda tem um maior controle da riqueza mundial medida em estruturas físicas e produtos.” Com a moeda fraca, exporta-se mais, mas importa-se menos. Isso é bom para os empregos do setor de exportação, mas é ruim para os setores relacionados ao consumo interno, que se vinculam muito àquelas mercadorias que vem de fora. Por isso, a médio prazo, as moedas de reserva são moedas fortes e “querem permanecer fortes”. A força de uma moeda é dada pelo controle que ela exerce sobre a riqueza mundial, e também do poder político que ela oferece dentro do sistema mundial. Isso significa que a moeda de reserva mundial tende a ser a moeda da potência hegemônica do mundo, mesmo que esta esteja em declínio.

Muito bem, diz Wallerstein Nos últimos anos, a dívida global do governo dos EUA tem subido muito. Isto tem feito a sua moeda flutuar para cima e para baixo (mas globalmente ela tem variado para baixo). A moeda tem se enfraquecido, portanto. Para equilibrar suas contas, o que o governo tem feito? Duas coisas: emitido moeda (atividade que enfraquece a moeda) e vendido títulos do Tesouro dos EUA. O que são títulos do Tesouro? Quando um governo precisa de dinheiro para tocar seus projetos, ele negocia títulos do seu Tesouro, que são papéis que garantem ao seu detentor (que normalmente são aqueles que emprestam dinheiro para o governo) o recebimento de juros e a devolução do valor emprestado após algum tempo. Nos últimos anos, o país que mais tem comprado títulos dos EUA foi a China. A China compra títulos do Tesouro americano com – adivinhem! - dólares... dólares que foram juntados durante anos como sua reserva monetária.

A China não quer perder dinheiro. Quer recebê-lo com juros e em moeda forte. Mas a moeda americana tem se enfraquecido. Tem se enfraquecido porque o governo tem emitido muita moeda. Tem emitido moeda pra saldar a dívida pública e pra realizar seus projetos. Pra realizar seus projetos, tem vendido títulos do Tesouro. Quem tem comprado os títulos do Tesouro são a China e outros países. O dinheiro obtido pelos EUA através da venda de títulos, nos anos recentes, tem sido utilizado para emprestar às famílias para que aumentem o consumo e assim façam girar a economia. Os contratos dos empréstimos têm sido negociados na bolsa de valores. As famílias, muito pobres, não tem tido como honrar seus compromissos. O não pagamento dos contratos afeta negativamente o setor financeiro e, por conseguinte, toda a economia real. O governo, então, tem que se empenhar em “salvar” a economia. Para isso, tem que usar... dinheiro. Como conseguir dinheiro? Vendendo títulos, emitindo moeda. Emitindo moeda, esta se enfraquece. Enfraquecendo-se a moeda, o credor desconfia... comprando menos títulos. O que a China tem feito?

“A China está a reduzir a compra de títulos do Tesouro dos EUA, e prefere agora comprar títulos de mais curto-prazo do que de prazo mais longo. A China está a entrar em “swaps cambiais” [troca mútua de moedas diferentes] com outros países, como a Argentina, de forma a que nenhum deles tenha de usar dólares nas suas transações. E a China está a propor a criação de uma reserva monetária alternativa baseada nos Direitos de Saque Especiais (DSE) criados pelo Fundo Monetário Internacional, que se baseiam num cabaz de moedas. A Rússia apoiou esta proposta.”

Bem, estas são, em linhas gerais, algumas das determinações da profunda crise econômica que assola o sistema mundial. Wallerstein acredita que os EUA estejam num beco sem saída. Alta dívida pública, moeda enfraquecendo, menos títulos sendo comprados, menos dinheiro entrando, crise financeira, menos consumo, pobreza aumentando... e agora, José? Diz Wallerstein: “Todos os atores principais têm esperança de que possa haver uma aterragem suave, uma transição ordeira para fora do dólar norte-americano. Ninguém quer precipitar uma queda livre, porque ninguém está certo de sair em frente se tal acontecer. Mas se o estímulo dos EUA se vier a demonstrar a última das bolhas, o dólar pode bem deflacionar subitamente numa forma muito caótica. A expressão usada para dizer 'estouro' [stampede] em francês é 'sauve-qui-peut', cuja tradução literal é 'salve-se quem puder.'”

A crise está perto de acabar? Não, é o que diz um recente relatório do Grupo de Trabalho do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) que se reuniu no mês passado em Buenos Aires para analisar a conjuntura mundial. Segundo esse relatório, “a maioria das estimativas indicam que se assistirá a um longo período depressivo, ou a uma recuperação muito lenta que no melhor dos casos permitirá alcançar, em mais alguns anos, os níveis de produção anteriores à crise e só em meados da década seguinte os níveis de emprego. Em matéria social, a situação é dramática e demonstra que os principais afetados são os trabalhadores e sectores sociais empobrecidos, pois mantém-se a tendência para o aumento do desemprego, à deterioração do rendimento e, em geral, à precarização dos trabalho e uma pauperização crescente que deteriora a qualidade de vida de milhões de pessoas de menores rendimentos.”

Ainda segundo os autores do relatório, a crise parecia indicar no início uma mudança nas políticas econômicas neoliberais, havendo mesmo quem falasse em transformações estruturais na ordem internacional e fim da hegemonia dos EUA. No entanto, o que acabou se verificando de fato foi um conjunto de medidas que acabaram por “estabilizar transitoriamente as condições da acumulação capitalista e proporcionar a confiança do grande capital transnacional”, a partir de uma fortíssima intervenção estatal e de medidas em engenharia financeira. É nesse sentido que devem ser compreendidas as “as operações de salvamento do sector financeiro e de algumas transnacionais da produção dos países do capitalismo central levadas a cabo com recursos do orçamento público, recorrendo ao aumento explosivo do endividamento público e à contínua exacção de recursos provenientes dos países da periferia capitalista. A isto soma-se a decisão política de financiar a estabilização relativa do dólar, bem como a ressurreição do Fundo Monetário Internacional decretada pelo G-20.” Essas medidas acabaram por aliviar os problemas da reprodução capitalista, mas de forma alguma proporcionaram uma saída definitiva para a crise.

Quais as conseqüências disto para a América Latina? Nosso continente não escapou de sentir os efeitos dessa crise produzida no centro do sistema mundial. Como afirma o relatório do CLACSO, “os processos de neoliberalização impulsionados durante as últimas décadas [na América Latina] acentuaram a dependência e forçaram uma reestruturação económica regressiva, provocando uma crescente vulnerabilidade frente ao comportamento da economia capitalista mundial. Naqueles países nos quais os projecto neoliberal conseguiu implantar-se com maior intensidade, escorando-se além disso com um correspondente marco jurídico-institucional de tipo neoliberal (Tratado de Livre Comércio com os EUA), os efeitos da crise sentiram-se antes e com maior severidade, sobretudo no emprego. Tal é o caso do México, Chile e Colômbia.” [grifos meus].

Os referidos efeitos da crise na América Latina devem-se, portanto, a alta dependência das economias nacionais deste continente às economias dos países centrais do sistema mundial. A respeito disso, é elucidativo o artigo do sociólogo norte-americano James Petras, intitulado A América Latina e o fim do liberalismo social.

Petras faz uma análise histórica e mostra que, em fins da década de 1960, o sistema capitalista entrou numa crise que exigiu dele uma ampla reestruturação. Saía de cena o “Estado de Bem-Estar” e entrava o “neoliberalismo”. Nesse contexto, a América Latina passaria a ser uma espécie de laboratório dessas políticas neo-liberais. A presença do Estado como regulador das economias nacionais se enfraqueceu. Como explica o autor do artigo: “Barreiras comerciais foram reduzidas ou eliminadas, de modo que produtos agrícolas subsidiados dos EUA e da União Européia entraram sem entraves, dizimando a produção alimentar de pequenos agricultores que produziam para consumo local. Sob a doutrina da 'vantagem comparativa' decisores políticos financiaram e promoveram empresas de agro-negócios em grande escala especializadas em produtos de exportação – trigo, soja, açúcar, milho, gado, etc apostando nos preços favoráveis, acesso a mercado favorável e preços razoáveis de alimentos, equipamento agrícolas e importações não agrícolas.”[grifos meus]

Desregulação da economia e privatização das empresas públicas fizeram com que as portas dos países latino-americanos se abrissem para o investimento estrangeiro e ao aumento da dependência deste capital para sustentar o seu crescimento econômico. As economias nacionais começam então a ser controladas “de fora”. A estratégia geral adotada pelos regimes era, conforme Petras, “confiar nos mercados de exportação, a expensas do aprofundamento e ampliação dos mercados internos (consumo local em massa); uma política que confiava no embaratecimento dos custos do trabalho local e na sustentação de altos lucros para a classe dominante agro-mineral. A presença desta última em todos os ministérios econômicos chave dos regime assegurava que às políticas ao seu serviço fosse dado um verniz ideológico com a noção de 'mercados racionais eficientes', deixando de notar a história a longo prazo da instabilidade intrínseca dos mercados mundiais.” [grifos meus]

O Estado nacional deixou então de regular a economia. O capital estrangeiro entrou e tornou a economia dos países dependentes. Os governos passaram a confiar no aumento das exportações de commodities e deixaram de aprofundar o crescimento do mercado interno de seus países, e no aprofundamento das trocas comerciais entre si. Representantes do setor agro-mineral passaram a compor os governos dos seus países e a elaborar políticas que reforçaram esta estrutura. Mas esses regimes neoliberais acabaram entrando em crise. Em 2000-2001, a recessão, o sistema financeiro desregulamentado, o domínio da economia pelos bastiões do mercado livre, a corrupção e a exploração produziram revoltas e lutas sociais e políticas em vários lugares da América Latina. Aos regimes apoiados pelos EUA sucederam governos de centro-esquerda. O que aconteceu, então? Diz Petras:

“Na prática as derrotas políticas dos partidos estabelecidos da direita, e a enfraquecida elite econômica, não serviam de base para transformações socio-econômicas em grande escala e a longo prazo. Os novos regimes de centro-esquerda buscavam políticas socio-econômicas que procuravam "reformar" as elites econômicas forçando-as a acomodarem-se aos seus esforços para reativar a economia e subsidiar os pobres e desempregados. As elites políticas foram retiradas dos gabinetes, uns poucos dos responsáveis mais venais implicados na repressão em massa foram postos em tribunal mas sem quaisquer sérios esforços para transformar o partido – sistema político. Por outras palavras, o fim das elites neoliberais nas crises, induzido pelas políticas de livre mercado, mantidas no lugar, temporariamente suspensas pelos regimes de centro-esquerda com políticas de administração de crise intervencionistas do Estado.” [grifos meus]

Quais foram as políticas adotadas pela centro-esquerda?

“Os novos governos centro-esquerda adoptaram toda uma série de políticas que iam desde incentivos econômicos aos negócios, regulações financeiras, despesas acrescida em programas de pobreza, aumentos de salários generalizados e consulta a líderes de organizações populares. Eles repudiaram os políticos inimigos e os criminosos do período anterior juntamente com a intervenção numas poucas empresas privadas em bancarrota. Estas políticas simbólicas e sólidas asseguraram, temporariamente, o apoio da massa do eleitorado e isolaram e dividiram os sectores mais radicais dos movimentos populares.”

Portanto, basicamente administraram a crise. Procuraram equilibrar-se entre as exigências dos de baixo e os interesses dos de cima. Abandonaram o discurso que pregava mudanças estruturais profundas e adotaram a perspectiva do “crescimento conduzido pela exportação”, mas exportação de produtos primários. Abandonaram a crítica ao investimento estrangeiro e as concepções de re-nacionalizar firmas privadas estratégicas. Mantiveram abertas, finalmente, as portas abertas à entrada do capital estrangeiro em grande escala.

E, nessa empreitada, tiveram sucesso na administração da crise e em se manter no poder, pois o boom das commodities verificado entre 2003 e 2008 permitiu a neutralização da oposição. Como explica Petras, “sindicatos receberam substanciais aumentos de salários, negócios receberam incentivos substanciais, investidores estrangeiros foram saudados, remessas de trabalhadores expatriados foram encorajadas, como contribuições para a redução da pobreza.” Portanto, toda a estrutura sócio-econômica de desenvolvimento latino-americano estava orientada pelas exportações para o mercado mundial e era condicionada pela situação econômica dos países de centro. É isto o que explica a vulnerabilidade dessas economias periféricas. Daí que, como afirma Petras, “Após apenas cinco anos de rápido crescimento induzido pelo mercado de exportação, as economias latino-americanas entraram em crash. Segundo a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina, as exportações dos países latino-americanos e caribenhos em 2009 mostrarão a queda mais aguda ao longo de mais de 72 anos (desde a última depressão mundial). As exportações regionais declinarão 11% em volume, ao passo que as importações cairão 14%, a maior queda desde a recessão mundial de 1982.” [grifos meus]

É por isso que “as recessões passadas e presentes têm um impacto agudo sobre a América Latina porque tanto agora como no passado as suas economias dependem de exportações agro-minerais para mercados imperiais, os quais rapidamente comutam as suas crises internas para os seus parceiros comerciais latino-americanos. O declínio histórico no comércio inevitavelmente duplica e triplica a taxa de desemprego entre os trabalhadores dos sectores de exportação e tem um efeito multiplicador sobre empresas econômicas satélite ligadas às despesas e aos consumos gerados pelo comércio além-mar. A especialização em exportações agro-minerais limita as possibilidades de emprego alternativo de um modo que uma economia mais diversificada não faz. A dependência do Estado, para a maior parte das suas receitas, das exportações de agro-minerais e de energia significa cortes automáticos no investimento público e nas despesas com serviços sociais.” (cf. Petras).

Todas as economias latino-americanas sentiram mais ou menos os mesmos efeitos da crise. Apenas aquelas que, como o Brasil, possuíam uma estrutura econômica mais diversificada e mais parceiros comerciais, tiveram uma pequena atenuação desses efeitos. Petras define como “social-liberalismo” esses governos de centro-esquerda cuja postura adotada para a administração das crises do capital pode ser resumida no seguinte: “atar aumentos em despesas sociais às estruturas econômicas políticas comerciais existentes, com alguns ajustamentos em parceiros comerciais e em alguns casos 'joint-ventures' com investidores estrangeiros. Durante o período todo o conjunto de regime praticou políticas sociais liberais familiares a observadores dos regimes social-democratas europeus contemporâneos: eles combinaram livre comércio e uma porta aberta ao investimento estrangeiro com gastos maiores em programas anti-pobreza, benefícios de desemprego e aumentos no salário mínimo. Por outro lado vastos lucros acumularam-se nas mãos das elites agro-minerais e do sector bancário, o qual financiou comércio, consumo e rolagem da dívida.” [grifos meus]

E no Brasil, especialmente, o que isto significa? A resposta é de Plínio de Arruda Sampaio: “Por um lado, a substituição do modelo industrial por um modelo primário-exportador aprofunda a dependência e provoca, além de permanente instabilidade econômica, um forte movimento de regressão neocolonial, que se expressa, maiormente, no plano da cultura das elites e do povo; por outro lado, a evidente viabilidade do modelo primário-exportador (tanto pelo lado da demanda externa como das potencialidades de oferta da economia nacional) traduz-se na possibilidade de um ritmo de crescimento econômico, insuficiente para assegurar a justiça social, porém suficiente para incorporar crescentemente alguns setores da massa num nível de consumo baixo, mas superior ao que estavam acostumados. O resultado óbvio desse processo é a legitimação do modelo e do regime.” [grifos meus]

Estes são alguns dos elementos da atual conjuntura. Apesar das tremendas dificuldades e da complexidade do cenário que se abre diante das forças sociais que objetivam a emancipação humana, não há que se intimidar, pois algumas perspectivas interessantes se estabelecem. Uma proposta coerente é formulada pelo filósofo italiano Domenico Losurdo por meio destas palavras:

“Encontramo-nos hoje numa situação que tem perspectivas positivas e encorajadoras: 1. sob o ímpeto da luta anti-imperialista ressurgem povos e civilizações que estavam a ser destruídas pelo colonialismo: pense-se no papel crescente dos índios na América Latina; 2. o prodigioso desenvolvimento de um país como a China quebra o monopólio tecnológico detido pelo Imperialismo. A “grande divergência”, como lhe chamam os historiadores, para quem a dada altura se abriu um abismo entre os países capitalistas avançados e o Terceiro Mundo, esta “great divergence” tende a reduzir-se; 3. A tomada de consciência da crise do capitalismo dá um novo impulso à perspectiva do socialismo para além do Terceiro Mundo, também nos países capitalistas avançados. Por outro lado vemos os países-guia do capitalismo imersos numa profunda crise econômica e cada vez mais desacreditados a nível internacional; ao mesmo tempo continuam a agarrar-se à pretensão de ser o povo eleito de Deus e a aumentar febrilmente a sua já monstruosa máquina de guerra e a estender a sua rede de bases militares a todas as partes do mundo. Tudo isto não promete nada de bom. É a presença conjunta de perspectivas prometedoras e de ameaças terríveis a tornar urgente a construção, a nível internacional, de um novo bloco histórico, para usar a linguagem de Gramsci. Não é uma empresa fácil, porque se trata de juntar forças em contextos histórico-culturais e situações políticas e geopolíticas assaz diversas. E este novo bloco histórico, que pode dar um novo impulso ao internacionalismo, apenas poderá ser construído se os partidos comunistas, inclusive aqueles dos países capitalistas avançados, por um lado recuperarem o orgulho na sua própria história e, por outro, reforçarem a sua capacidade de análise concreta da situação concreta.”


Referências:

CONSELHO LATINO-AMERICANO DE CIÊNCIAS SOCIAIS (CLACSO) - "Até o momento nada indica que a crise tenha chegado ao fundo". http://www.resistir.info/crise/clacso_declaracao.html

LOSURDO, Domenico. O que significa internacionalismo hoje?. http://resistir.info/varios/losurdo_internacionalismo_p.html

OLIVEIRA, Francisco de. Crise financeira? http://www.cartamaior.com.br/templates/materia Mostrar.cfm?materia_id=15900

PETRAS, James. A América Latina e o fim do liberalismo social. http://www.resistir.info/ petras/petras_09set09.html

SAMPAIO, Plínio Soares de Arruda. O dilema da esquerda brasileira. http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3755/128/

WALLERSTEIN, Immanuel. O dólar a afundar-se. http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=12883&Itemid=130

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