A ciência é neutra? Pode o conhecimento científico ser absolutamente objetivo? A subjetividade pode ser eliminada do processo de conhecer? Ou em todo ato cognitivo o interesse, o desejo, as projeções e as crenças do sujeito cognoscente interferem de alguma maneira? A ciência está livre de ideologia? Ou todo conhecimento cientifico guarda inexoravelmente um núcleo irredutível de ideologia? E no marxismo o que ocorre? É uma ciência ou uma ideologia? Como esta filosofia justifica-se a si mesma como método de maiores e mais amplas possibilidades epistemológicas em relação às demais correntes teóricas em ciências sociais? De que maneira soluciona os intrincados problemas envolvendo os temas da objetividade e da subjetividade inerentes ao conhecimento científico-social? Como enfrenta o complexo emaranhado de questões que se colocam no centro do debate epistemológico que envolve a teoria social e que se apresenta na maioria das vezes sob a forma de uma oposição e/ou articulação entre dois termos cuja definição é ambígua: ciência e ideologia? Ciência e ideologia são termos mutuamente excludentes? É possível a uma teoria social ser, ao mesmo tempo, científica e ideológica? Se ideologia e ciência não são, dentro do processo de conhecimento científico-social, elementos que se excluem, como é possível distinguir, entre duas teorias, qual é a que possui um maior quantum de objetividade? Há uma hierarquia entre as diferentes teorias sociais, ou todas possuem o mesmo grau de possibilidade de conhecimento? Sendo as ciências sociais vinculadas a uma determinada visão social de mundo, como é possível conciliar esse caráter ideológico com o conhecimento objetivo da “verdade”? Enfim, como o marxismo enfrenta e se posiciona perante todos esses questionamentos?
O próprio Marx havia apontado alguns caminhos para a solução desses problemas. Segundo o autor de O capital, são as classes sociais que criam e formam as visões de mundo, que depois passam a ser sistematizadas por seus ideólogos. As visões de mundo não são portanto, meras criações individuais. Os intelectuais são relativamente autônomos em relação à classe. O que os faz vinculados à determinada classe são os conteúdos das concepções de mundo que eles produzem. O que define essas visões de mundo não são idéias isoladas, mas uma certa “forma de pensar”, um certo conjunto de problemas, uma certa maneira de pôr as questões, ou ainda um certo “horizonte intelectual”. Ciência e ideologia não seriam assim mutuamente excludentes. A ciência possui, em verdade, uma certa autonomia em relação à classe, mas ela é sempre produzida a partir de uma perspectiva de classe.
Além disso, na concepção de Marx, dentro de uma mesma perspectiva de classe, podem haver cientistas bem-intencionados e intelectuais vulgares (de “má-fé”). A perspectiva de classe que se adota tende a influenciar a pesquisa científica, de acordo com o seu respectivo ideal de classe (revolucionário ou conservador). A ciência deve, portanto, ser compreendida em sua relação intrínseca com a história social e econômica geral, visto que a ideologia de classe impõe limites à cientificidade. A ideologia de classe “orienta, inspira e estrutura”, conscientemente ou não, o aparato categorial da consciência do pesquisador (seu “horizonte intelectual”) - tal fato pode ser constatado, principalmente, no problema da pesquisa. É o próprio ser social do pesquisador que o torna vinculado a esta ou aquela classe. Por partir sempre de determinada perspectiva, cada classe possui um certo “grau máximo” de conhecimento possível. Todo saber social, portanto, está relacionado à posição social do observador científico. Finalmente, as perspectivas epistemológicas das classes, a consciência que a classe pode ter da realidade onde está inserida e de sua situação no interior desta realidade pode ser superada pela consciência de outra classe.
A reflexão iniciada por Marx prosseguiu e interessou aos intelectuais presentes na Segunda Internacional (1889-1914). Nessa ocasião, prevaleceram as concepções de Bernstein e de Kautsky. O primeiro rompeu com a idéia de que havia uma articulação dialética entre ciência e socialismo, entre ciência e política. A ciência da sociedade deveria ser feita segundo os parâmetros da ciência da natureza e o ideal socialista deveria se converter num referencial ético a ser estabelecido na prática, mas que não conservaria nenhuma relação com o conhecimento científico. Kautsky, por sua vez, dizia que o socialismo é uma concepção totalmente científica, desprovida de qualquer pressuposto subjetivo, de qualquer ponto de vista de classe. O marxismo é a ciência da sociedade. Suas conclusões sobre a futura efetivação prática de uma sociedade sem classes se realizarão com precisão matemática. É uma lei natural que empurra a sociedade para o comunismo e lutar contra ela é tão inócuo quanto tentar neutralizar a lei da gravidade.
Dentre as várias correntes marxistas existentes na época, foram essas as hegemônicas. Somente a corrente revolucionária da social-democracia de antes da guerra, os chamados extremistas de esquerda, se posicionaram contra as concepções majoritárias. Esta corrente declarava abertamente a ligação explícita entre o ponto de vista operário e a ciência marxista. Nesse sentido, Lênin declarou que “em uma sociedade fundada na luta de classes, não poderia haver ciência ‘imparcial’. Toda a ciência oficial e liberal defende, de uma forma ou de outra, a escravidão assalariada, enquanto o marxismo declara uma guerra implacável a esta escravidão” (apud LÖWY, 2000, 123).
Portanto, reivindicar uma ciência imparcial é um absurdo porque isto é impossível no contexto de uma sociedade de classes. Lênin rejeita categoricamente toda e qualquer separação entre julgamento de fato e de valor, entre ciência e socialismo, entre a classe e a expressão teórica que esta classe tem do mundo que a cerca e de si mesma. Há uma ligação dialética entre ambas as instâncias. O marxismo, segundo ele, “associa o espírito revolucionário a um caráter altamente científico (sendo a última palavra das ciências sociais) e ele o faz não por acaso, nem somente porque o fundador desta doutrina reunia nele próprio as qualidades de sábio e revolucionário; ele os associa na própria teoria, íntima e indissoluvelmente” (apud LÖWY, 2000, 124).
Concepção análoga foi desenvolvida pela intelectual revolucionária Rosa Luxemburgo. Já na sua polêmica contra o revisionismo em 1899, ela questionou a tese positivista de colocar a ciência social acima das classes. Tal concepção é uma utopia, uma ilusão, visto que a sociedade real, onde a ciência nasce, é composta por classes sociais que possuem interesses e visões de mundo opostas. O sentido geral das concepções de Rosa Luxemburgo sobre a relação da situação objetiva da classe e sua consciência é o seguinte: Para ela, o engajamento na luta de classes é atributo apenas das ciências que se ocupam das “questões sociais”, que são, na sua essência, diferentes das ciências da natureza. A ciência social é, por definição, no estágio atual de desenvolvimento da sociedade, uma ciência com vínculo de classe. Somente numa sociedade sem classes é que poderia existir uma ciência “universalmente humana”, isto é, livre de uma visão social de mundo de classe. Esclarecendo as concepções de Rosa Luxemburgo, Löwy afirma que “em sua Introdução à economia política, ela mostra como, em uma ciência social determinada, 'as vias do conhecimento burguês e do conhecimento proletário divergem' em relação a todas as questões, inclusive aquelas que são à primeira vista abstratas e indiferentes às lutas sociais: a oposição entre economia mundial e 'economia nacional', entre o método histórico e o método naturalista, etc. (LÖWY, 2000, 125).
Isso não significa que não se possa chegar à descobertas científicas estando-se vinculado à burguesia. É possível, e muitos o demonstraram. Rosa Luxemburgo reconhece o valor das pesquisas de Adam Smith, Ricardo, etc. O marxismo, na sua visão, está em relação direta com a ciência feita por esses economistas. Ele continua, porém, as suas descobertas e chega a resultados finais que estão em completa contradição com os pontos de partida dos pesquisadores burgueses, visto que parte de pressupostos e problemas diferentes. E por que é possível a Marx superar os economistas clássicos? Porque o autor dos Grundrisse representa “sobre o terreno da filosofia, da história e da economia o ponto de vista do proletariado” (R. Luxemburgo, apud LÖWY, 2000, 125. Grifos meus). Os marxistas são os “porta-vozes” da classe operária. Como explica Löwy, “é porque Marx se situa do ponto de vista do proletariado revolucionário (grifos meus) que ele pode chegar a um ‘observatório mais elevado’ (Hörheren Warte) de onde ele pode ‘perceber os limites das formas econômicas burguesas’” (LÖWY, 2000, 125-126).
A metáfora “topológica” de Rosa Luxemburgo é bastante sugestiva. Há uma ligação intrínseca entre o ponto de vista de classe e o “horizonte” de visibilidade intelectual que se atinge nesse patamar. Com esse argumento, a intelectual marxista “abre caminho a uma compreensão das condições histórico-sociais que explicam o advento do marxismo e seu lugar no movimento da ciência social: não o Fiat Lux miraculoso de um gênio individual, mas a expressão teórica que provoca a emergência de um 'observatório mais elevado' e que cria a possibilidade objetiva de um conhecimento mais vasto da realidade social” (idem, 126).
E, por quê, afinal, existe uma superioridade cognitiva do ponto de vista do proletariado? Por quê é possível ao marxismo um nível superior de compreensão científica da realidade social? Duas são as respostas encontradas nos escritos de Rosa Luxemburgo: 1) “É a partir do ponto de vista do proletariado, enquanto classe revolucionária, que a historicidade do capitalismo torna-se visível” (idem, 126); 2) “O proletariado tem necessidade da verdade para seu combate” (idem, 126). A clareza sobre as “leis” de desenvolvimento da sociedade é necessária à luta empreendida pelo proletariado para a superação de sua condição.
Fica claro dessa forma o esforço de Rosa Luxemburgo por aplicar o método dialético ao próprio marxismo e estabelecer o seu limite histórico. A validade do marxismo é, sim, limitada no tempo. Carrega em si mesmo o “germe seguro do seu próprio declínio”. É fruto do capitalismo e desaparecerá com ele. Será seguramente superado quando do advento de uma sociedade sem classes, onde exista, enfim, uma ciência social “universalmente humana”.
É exatamente nesse ponto que o debate chega a Gyorgy Lukács. No livro História e consciência de classe (1923) encontram-se importantes contribuições filosóficas a esses temas. Nessa obra, o célebre pensador se debruça sobre as mesmas questões a que se dedicaram seus predecessores, pontos centrais para a teoria social marxista: a história social humana em movimento, seus conflitos, as classes sociais como sujeitos desses conflitos, a forma como tomavam conhecimento de si nesse processo, os métodos utilizados por elas, os limites e possibilidades impostos pela sua situação objetiva, etc. Lukács estabelece que “todo conhecimento da sociedade está intimamente ligado à consciência de classe de uma camada social determinada: os limites do conhecimento decorrem da situação objetiva de classe” (cf. LÖWY, 2000, 128. Grifos meus). As classes que possuem uma melhor possibilidade de compreender a dinâmica da vida social são aquelas que participam, de um modo ou de outro, do processo de produção material (no caso do modo de produção capitalista, essas classes são a burguesia e o proletariado). Nesse contexto, a consciência de classe burguesa apresenta uma contradição essencial que se manifesta por dois interesses básicos: “a) o interesse em conhecer claramente uma série de fatos econômicos particulares; e b) o interesse em ocultar cuidadosamente, desesperadamente até – tanto para as outras classes como para si mesma – a essência verdadeira, a totalidade dialética da sociedade capitalista” (idem, 129).
Para manter a sua hegemonia, é preciso, sim, que a burguesia conheça aspectos importantes da realidade social. No entanto, ao deparar-se com problemas cuja solução remetem para a superação do capitalismo, a consciência de classe burguesa necessariamente se embota. Nega a si mesma a compreensão de certas dimensões da realidade social. Esta é, segundo Lukács, “a conseqüência objetiva da estrutura econômica da sociedade e não algo arbitrário subjetivo ou psicológico” (apud LÖWY, 2000, 129). Daí que, para a consciência burguesa, superar essa condição de “cegueira cognitiva” “equivaleria a não mais considerar os fenômenos da sociedade do ponto de vista da burguesia. E disso, nenhuma classe é capaz, na medida em que seria necessário que ela renunciasse voluntariamente à sua dominação” (Lukács, apud LÖWY, 2000, 129). Em suma, “os limites objetivos da produção capitalista tornam-se os limites da consciência de classe da burguesia” (LUKÁCS, 1974, 79)
A utilização ideológica do método científico-natural na interpretação dos fatos sociais deve ser entendida a partir desta perspectiva. Lukács estabelece que tal modo de proceder não passa de “um instrumento da burguesia”. Afinal, para esta classe, “é uma questão vital (...) conceber sua própria ordem de produção como constituída por categorias válidas de uma maneira intemporal e destinadas a existir eternamente graças às leis eternas da natureza e da razão” (Lukács, apud LÖWY, 2000, 129). Entenda-se aqui que Lukács refere-se exclusivamente ao campo das ciências sociais e humanas.
Nesse contexto, o marxismo também é entendido como uma forma de conhecimento da sociedade com vínculo de classe, isto é, necessariamente ligado à consciência de uma classe social determinada. O método marxista, a dialética materialista e histórica, só foi possível porque estava vinculado ao proletariado. Na opinião de Lukács, “Ciência e consciência coincidem para o proletariado porque ele é, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto do conhecimento: o conhecimento de si significa ao mesmo tempo o conhecimento correto de toda a sociedade. Esta consciência de classe não é dada imediatamente ao proletariado: Ela é um produto da luta de classes como todo fato social” (cf LÖWY, 2000, 130, grifos meus).
A consciência de classe é, então, produto da luta de classes. As condições objetivas fazem com que a classe desenvolva a sua consciência. Produzem as estruturas categoriais e cognitivas da classe operária. Essa consciência de classe, de acordo com Lukács, não é a consciência psicologicamente descritível, dos membros da classe, mas “o sentido, tornado consciente, da situação histórica da classe” (LUKÁCS, 1974, 88). Assim, a forma de ser e existir em sociedade determina e produz a forma de pensar e conceber da classe, bem como do ser humano social individual. Há uma consciência social de classe, visto que a sociedade é composta por classes, e há uma consciência social individual de classe, existente no indivíduo social, fruto da existência desse ser numa sociedade de classe.
Nesse contexto, Lukács estabelece que é apenas da perspectiva do proletariado “que o conjunto da sociedade, o movimento da totalidade social se torna visível” (idem, 2000, 130). Nas palavras do filósofo húngaro: “O conhecimento que resulta do ponto de vista do proletariado é, objetiva e cientificamente, mais elevado. Ele contém o conhecimento histórico adequado do capitalismo, tornado inacessível para o pensamento burguês” (apud LÖWY, 2000, 130-131).
Isso não significa que não seja possível fazer ciência a partir de uma perspectiva burguesa. É necessário estabelecer uma “gradação objetiva” sobre o valor dos conhecimentos e dos métodos, e, nessa hierarquia, colocar ambas as formas de ciência social (proletária e burguesa) no seu devido lugar, demonstrando que cada uma representa momentos diferentes e necessários “no edifício metodológico do conhecimento social” (Lukács, apud LÖWY, 2000, 131).
Lukács não se limita em dizer que o proletariado possui uma superioridade cognitiva em relação à burguesia. Ele procura justificar essa tese a partir de argumentos históricos e sociais concretos. Duas são as suas teses. A primeira consiste na idéia de que “pela resistência a sua redução à condição de simples mercadoria, por sua luta contra a 'coisificação' total de sua força de trabalho, o operário tende a descobrir e a colocar em questão o conjunto do processo de reificação” (cf. LÖWY, 2000, 131). A partir dessa hipótese, Lukács considera que “para o proletariado a consciência de si é já, simultaneamente, conhecimento (científico) do conjunto das relações sociais do capitalismo” (idem, 2000, 131).
O segundo argumento é mais decisivo: “o ponto de vista de classe do proletariado representa um nível cognitivo mais elevado porque para o proletariado o conhecimento mais perfeitamente objetivo de sua situação de classe é uma necessidade vital, uma questão de vida ou de morte; a verdade é uma condição sine qua non de seu triunfo como classe revolucionária” (idem, 2000, 131). É porque o proletariado tem em vista a ação no sentido de evitar o seu esmagamento, a sua reificação, a sua alienação provocada pelo sistema – o que só conseguiria fazer através da superação desse mesmo sistema – que ele se obriga a ver a realidade de forma mais clara e objetiva. A verdade, nesse caso, se torna a própria arma do proletariado, sem a qual a sua emancipação não é possível.
Eis, portanto, o aspecto crucial que diferencia radicalmente o proletariado da burguesia como classe revolucionária. Quando de sua vitória contra o feudalismo, a burguesia não precisava de um conhecimento objetivo total da realidade histórica e social. O sentido de suas ações permanecia oculto, em parte, para a sua consciência. “O proletariado, pelo contrário, foi colocado pela história diante da tarefa de uma transformação consciente da sociedade” (idem, 2000, 132).
Dessa forma, a diferença entre a ciência social marxista e a burguesa não é apenas cognitiva, mas sobretudo prática. “O materialismo histórico não é somente um instrumento de conhecimento; ele é também, ao mesmo tempo, um instrumento de ação” (idem, 2000, 132). O pensamento burguês, ao contrário, é essencialmente contemplativo. Olha os objetos e fatos sociais. Observa-os, apenas, e eles permanecem inalterados. Daí, a utilização dos métodos científico-naturais na investigação social.
O ponto de vista do proletariado, pelo contrário, visa a transformação revolucionária da realidade social, o que instaura uma relação dialética entre o sujeito e o objeto: o proletariado é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto do conhecimento e da história. Em sua luta revolucionária, coincidem a teoria e a práxis, e se passa sem transição do saber à ação. Reconhecendo a situação, o proletariado age; combatendo o capitalismo, ele reconhece sua posição na sociedade (LÖWY, 2000, 132).
Lukács estabelece assim, uma historicização radical do marxismo. É certo que ele, o marxismo, é histórico. Ele mesmo se reconhece como tal. Isso não conduz, no entanto, a um total relativismo. As verdades que preconiza são “absolutas como tais”, isto é, absolutas dentro do contexto histórico e social no qual nasceram. Uma vez superado esse contexto, surgem novas sociedades nas quais, como resultado de sua existência prática objetiva, aparecerão outras categorias e outros conjuntos de verdades.
Conclusão
O pensamento de Lukács deve ser situado no contexto do debate filosófico de seu tempo, a partir das principais questões teóricas e práticas com as quais os intelectuais marxistas se debatiam. Reflete sobre a história da sociedade humana, as classes que compõem essa sociedade, seus conflitos, a compreensão que têm desses conflitos, a expressão teórica das lutas sociais, a relação da situação objetiva das classes e a consciência que têm de si mesmas no seio do movimento histórico, os limites impostos por sua condição objetiva ao conhecimento de si, etc.
Como síntese, podemos dizer que, para o filósofo húngaro, todo conhecimento da sociedade está intimamente ligado à perspectiva de classe das determinadas classes sociais. Os limites no conhecimento decorrem da situação objetiva das classes. As classes que participam da produção são as que maior possibilidade têm de conhecer a sociedade, isto é, elas têm “possibilidades cognitivas distintas”. Nesse contexto, a consciência de classe burguesa se caracteriza por: a) querer conhecer determinados fatos sócio-econômicos; b) querer ocultar de si e dos outros (inconscientemente ou não) determinados fatos sócio-econômicos. É impossível renunciar à perspectiva de classe, visto que isso significaria renunciar a sua própria situação enquanto classe. O marxismo também tem, conseqüentemente, um vínculo de classe. A consciência da sociedade que as classes possuem é produto da história, é produto da luta de classes, são originadas pelas situações práticas, concretas, objetivas, por que passam as classes. A consciência de classe não é a consciência empírica psicológica, mas “o sentido, tornado consciente, da situação histórica da classe” (Lukács). Portanto, a forma de ser e de existir da sociedade condiciona a forma de pensar e conceber das classes, bem como dos seres humanos tomados sob o ponto de vista individual. A perspectiva do proletariado (e o conhecimento que daí resulta) é, nesse contexto, o mais “elevado”. Isso se dá por duas razões: 1ª) Pela resistência à “coisificação” (reificação), o proletariado coloca questionamentos ao próprio processo de reificação, o que o remete ao questionamento da sociedade como um todo; 2ª) Pelo fato de que, para o proletariado, o conhecimento o mais objetivo possível é uma questão de vida ou morte, é uma arma, a arma mais efetiva de que o proletariado dispõe na luta de classes. É como se as próprias condições objetivas do proletariado “aguçassem” mais a sua consciência e a deixasse desperta para o conhecimento de temas que passam despercebidos para a consciência burguesa (como a historicidade do processo social, por exemplo). A “verdade” é condição sine qua non para o triunfo da classe proletária. Assim, a diferença entre as perspectivas proletária e burguesa se dá em razão de uma situação prática. Não é a consciência que determina o ser social. Num segundo momento sim, ela faz sentir seus efeitos e pode ser crucial. Mas é primeiramente o ser social que determina a consciência. É na luta revolucionária que a teoria e a prática se unem. Reconhecendo-se, o proletariado age; agindo (transformando), se reconhece. A visão de mundo marxista é produto da história. Sendo histórica, é relativa. Mas é “absoluta enquanto tal”, advoga para si o status de teoria com mais amplas possibilidades dentro do contexto histórico do capitalismo. Justamente por se situar num terreno histórico, a perspectiva proletária está sujeita às transformações da história. Finalmente: superada a situação histórica das classes, surgem novas perspectivas epistemológicas, um horizonte intelectual diferente.
Referências
LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. Marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. Cortez, São Paulo, 2000, 7ª ed.
LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. Estudos de dialética marxista. Publicações escorpião, Lisboa, 1974.
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