Em 13 de novembro de 2001, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, promulgou uma ordem militar que autorizava a “indefinite detention” e o processo perante as “military commisions” dos não-cidadãos suspeitos de atividades terroristas. Alguns dias antes, em 26 de outubro de 2001, o Senado norte-americano havia promulgado o USA Patriot Act, que permitia ao secretário de Justiça desse país manter preso o estrangeiro suspeito de atividades capazes de colocar em perigo a segurança nacional dos Estados Unidos.
A novidade desta ordem estava em “anular radicalmente todo estatuto jurídico do indivíduo, produzindo, dessa forma, um ser juridicamente inominável e inclassificável.” (cf. Agamben, 2004, 14). Isso significa, por exemplo, que um talibã capturado no Afeganistão não pode gozar do estatuto de prisioneiro de guerra, conforme assegura a Convenção de Genebra, assim como também não pode receber o status de acusado segundo as leis norte-americanas. Acaba por converter-se, portanto, em objeto de uma pura dominação de fato, uma detenção indeterminada em relação ao tempo, uma situação totalmente fora da lei e fora do controle judiciário. Semelhante aos judeus nos campos de concentração nazistas, que perdiam, junto com a cidadania, toda a identidade jurídica, apesar de guardarem a identidade de judeus. Esse é exemplo mais claro para ilustrar a realidade do estado de exceção, o paradigma de governo dominante no contexto da política contemporânea, segundo Giorgio Agamben.
O estado de exceção pode ser definido como a suspensão da ordem jurídica levada a cabo em situações “extremas”, com o objetivo de “salvar” essa mesma ordem jurídica. Em outras palavras, é a “suspensão legal” da lei. Nessas condições, a ditadura se instala amparada pela lei e o poder passa a ser exercido de forma arbitrária. O estado de exceção constitui o paradigma de funcionamento das estruturas jurídicas que procuram normatizar o campo da política e da ação social. Os Estados que fazem uso desse mecanismo tornam-se, então, além de garantidores e administradores da ordem, produtores e gestores da desordem. E, se considerarmos que os Estados têm, nos últimos dois séculos, lançado mão cada vez mais freqüentemente desse dispositivo, não poderíamos dizer, com Agamben, que o estado de exceção seria, de fato, a regra?
Esse dispositivo, o do estado de exceção, tem uma longa história. Foi criado pela Assembléia Constituinte Francesa, sob o nome de estado de sítio, em 1791. Inicialmente, era aplicado apenas à praças fortes e portos militares. Em 1811, Napoleão estabeleceu que o estado de sítio era passível de ser declarado pelo imperador a despeito da situação efetiva de uma cidade estar ameaçada militarmente. A partir de então, observa-se um progressivo desenvolvimento de dispositivos jurídicos semelhantes na Alemanha, Suíça, Itália, Reino Unido e EUA, que serão aplicados, ao longo dos séculos XIX e XX, em momentos variados de necessidade política ou econômica. Verifica-se, então, um processo de generalização dos dispositivos governamentais de exceção. Esse processo teria sido, segundo Agamben, o “motor invisível” das democracias ocidentais. A contradição está em que, suspendendo a norma sem necessariamente abolir a norma, o estado de exceção, que pretende, em última instância, salvaguardar a ordem democrática, torna a ordem democrática, de fato, impossível.
Uma pergunta que cabe, nesse contexto, é a seguinte: como o estado de exceção afeta a nós, latino-americanos, na contemporaneidade?
Referências:
1. AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
2. SAFATLE, Vladimir. A política da profanação (entrevista com Giorgio Agamben). Jornal Folha de São Paulo, 18/09/05. http://www.geocities.com/vladimirsafatle/vladi081.htm
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Questões a serem respondidas, de fato meu camarada.
ResponderExcluirDe acordo com os relatos que leio no livro "Letras de Liberdade", no qual 15 detentos escrevem, através de biografias e auto-biografias, demonstram como o Sistema Carcerário Brasileiro, em geral, manipula as obrigações de manutenção dos direitos jurídicos dos cidadãos encarcerados, a idéia de "Estado de Exceção", ainda se reproduz em nosso país, cotidianamente.
No entanto, parece que há uma considerável diferença em relação às estratégias utilizadas pelos Americanos (do Norte) e nós Brasileiros (Sul-americanos). Enquanto lá o governo utiliza de dispositivos legais para conferir a nação meios de negar acordos como o de "Genebra", aqui a lei os mantém, embora a prática nas cadeias seja o avesso do que os códigos jurídicos atestem.
Lá, a lei se faz clara, está no papel. Mas o "espetáculo" é veiculado por poucos, e raros são os interessado na peça que se prega.
Aqui, encenamos a lei num teatro de sombras, onde o que se vê é a apenas a forma acinzentada das leis, enquanto mãos manipulam a opinião pública, atrás dos panos e holofotes.
Segundo os relatos dos presos, não se observa a dita "ressocialização", prevista no Código Penal Brasileiro. Alíás, pouco se utiliza dessa expressão. Costumeiramente, ela é trocada por sinônimos como reeducação, re-habilitação, re-integração ao social, sem, contudo, tal alteração lexical modificar a situação de abandono e negação dos Direitos Humanos desses sujeitos apartados do "convívio social".
Aqui, a Lei Penal se manifesta, menos pela constituição de processos ressocializadores, capazes de modificar a situação de desajuste desses sujeitos em relação ao "regramento social", e muito mais pela utilização de seu poder simbólico sobre os corpos, destituindo-os de significação jurídica e humana.
Convém constatar, então, meu camarada, que a situação cá e lá é quase a mesma. Muda apenas a exposição dos atos legais e suas intenções reais.
É preciso abrir os olhos para as encenadas ditaduras do nosso dia-a-dia, mesmo.
Um abraço!
Uiliam Ferreira Boff.
Questões a serem respondidas, de fato meu camarada.
ResponderExcluirDe acordo com os relatos que leio no livro "Letras de Liberdade", no qual 15 detentos, através de biografias e auto-biografias, demonstram como o Sistema Carcerário Brasileiro, em geral, manipula as obrigações de manutenção dos direitos jurídicos dos cidadãos encarcerados, a idéia de "Estado de Exceção", ainda se reproduz em nosso país, cotidianamente.
No entanto, parece que há uma considerável diferença em relação às estratégias utilizadas pelos Americanos (do Norte) e nós Brasileiros (Sul-americanos). Enquanto lá o governo utiliza de dispositivos legais para conferir a nação meios de negar acordos como o de "Genebra", aqui a lei os mantém, embora a prática nas cadeias seja o avesso do que os códigos jurídicos atestem.
Lá, a lei se faz clara, está no papel. Mas o "espetáculo" é veiculado por poucos, e raros são os interessado na peça que se prega.
Aqui, encenamos a lei num teatro de sombras, onde o que se vê é a apenas a forma acinzentada das leis, enquanto mãos manipulam a opinião pública, atrás dos panos e holofotes.
Segundo os relatos dos presos, não se observa a dita "ressocialização", prevista no Código Penal Brasileiro. Alíás, pouco se utiliza dessa expressão. Costumeiramente, ela é trocada por sinônimos como reeducação, re-habilitação, re-integração ao social, sem, contudo, tal alteração lexical modificar a situação de abandono e negação dos Direitos Humanos desses sujeitos apartados do "convívio social".
Aqui, a Lei Penal se manifesta, menos pela constituição de processos ressocializadores, capazes de modificar a situação de desajuste desses sujeitos em relação ao "regramento social", e muito mais pela utilização de seu poder simbólico sobre os corpos, destituindo-os de significação jurídica e humana.
Convém constatar, então, meu camarada, que a situação cá e lá é quase a mesma. Muda apenas a exposição dos atos legais e suas intenções reais.
É preciso abrir os olhos para as encenadas ditaduras do nosso dia-a-dia, mesmo.
Um abraço!
Uiliam Ferreira Boff.
Ps. Apaga o Primeiro comentário que escrevi errado.... abraço