Como se reconhece nosso contemporâneo, o homo resignatus? Como se reconhecem nossos políticos bem moderados, os da direita do centro, da direita recentrada, assim como os da esquerda do centro, da esquerda recentrada? Como se reconhecem nossos intelectuais domésticos, especuladores da Bolsa ousados durante o dia e pregadores moralizantes durante a noite?
Por seus joelhos esfolados de tantas ajoelhações e genuflexões diante dos novos fetiches e dos velhos ídolos! Por suas costas curvas de tantos sapos engolidos e reverências vergadas diante do altar dos mercados! Por seu sangue gelado e por sua impassibilidade anfíbia diante da ordem impiedosa das coisas! Por sua soberba indiferença, de tantos acomodamentos e tantas renúncias consentidas!
Por que nós, que jamais fomos verdadeiramente modernos, deveríamos acordar de repente pós-modernos? Por que nós, que jamais fomos indiferentes, deveríamos nos descobrir de repente cínicos? Por que nós, que jamais renunciamos a rir de tudo - mas não com qualquer pessoa -, deveríamos a partir de agora nos contentar em zombar de nada?
Além da modernidade e da pós-modernidade, resta-nos a força irredutível da indignação, que é exatamente o contrário do hábito e da resignação. Mesmo que ainda se ignore o que poderia ser a justiça do justo, resta a dignidade e a incondicional recusa da injustiça.
A indignação é um começo. Uma maneira de se levantar e de entrar em ação. É preciso indignar-se, insurgir-se e só depois ver no que dá. É preciso indignar-se apaixonadamente, antes mesmo de descobrir as razões dessa paixão. Estabelecer-se os princípios antes de serem calculados os interesses e as oportunidades: “Que fosses frio ou quente, mas porque és morno, não és frio nem quente, eu te vomitarei da minha boca!" (1)
Nota:
(1) Apocalipse de são João, 3, 15-16.
Fonte:
BENSAÏD, Daniel. Os irredutíveis. Teoremas da resistência para o tempo presente. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 97-8.
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