Não há, em O capital, definição classificatória e normativa das classes, mas um antagonismo dinâmico que ganha forma, em primeiro lugar, no nível do processo de produção, em seguida, no do processo de circulação e, finalmente, no da reprodução geral. As classes não são definidas somente pela relação de produção na empresa. Elas são determinadas ao longo de um processo em que se combinam as relações de propriedade, a luta pelo salário, a divisão do trabalho, as relações com os aparelhos de Estado e com o mercado mundial, as representações simbólicas e os discursos ideológicos. Portanto, o proletariado não pode ser definido de modo restritivo, em função do caráter produtivo ou não do trabalho, que entra somente no livro II de O capital, sobre o processo de circulação.
No século XIX, falava-se em classes trabalhadoras, no plural. O termo alemão Arbeiterklasse ou a expressão inglesa working class continuam extremamente genéricos. ‘Classe ouvrière’, dominante no vocabulário francês, tem uma conotação propícia a equívocos. Ela designa principalmente o proletário industrial, com exceção do assalariado de serviços e de comércio, que se submete a condições de exploração análogas do ponto de vista de sua relação com a propriedade dos meios de produção, de seu lugar na divisão do trabalho ou da forma salarial de sua renda.
Marx fala de proletários. Apesar de seu aparente desuso, o termo é ao mesmo tempo mais rigoroso e mais abrangente do que classe operária. Nas sociedades desenvolvidas, o proletariado da indústria e dos serviços representa de dois terços a quatro quintos da população ativa. A questão interessante não é a de seu anunciado desaparecimento, mas a de suas metamorfoses sociais e de suas representações políticas. Embora seu componente industrial propriamente dito tenha tido uma baixa efetiva nos últimos vinte anos, ainda estamos longe de sua extinção. Como ressaltam Stéphane Beaud e Michel Pialoux em sua pesquisa sobre Montbéliard, a ‘condição operária’ não desapareceu, ‘tornou-se invisível’. As ciências sociais universitárias têm certa responsabilidade nessa ocultação.
Internacionalmente, a tendência forte é à ‘proletarização do mundo’. Em 1900, a estimativa era de mais ou menos 50 milhões de trabalhadores assalariados em uma população global de 1 bilhão de habitantes. Calcula-se, hoje, por volta de 2 bilhões em uma população de 6 bilhões.
A questão é teórica, histórica e cultural, assim como sociológica. O historiador inglês E. P. Thompson dizia graciosamente que ‘não se pode falar de amor sem amantes’, nem de classes sem atores. Sua insistência na ‘formação’ das classes salienta que se trata ‘de um processo ativo’: elas não surgem em um determinado momento, ‘como o sol’, mas são ‘partes interessadas em sua própria formação’. Não se trata de uma estrutura imóvel nem de uma categoria definitiva, mas de um fenômeno histórico que não se pode cristalizar em um momento particular de seu desenvolvimento. Assim, pode-se falar de classe ‘quando após experiências comuns, que pertencem à sua herança compartilhada, os homens percebem e articulam seu interesse comum em oposição a outros homens cujos interesses colidem com os seus’. As classes se auto-produzem, segundo um processo de cristalização de interesses coletivos, de uma consciência desses interesses e de uma linguagem para expressá-los. Elas se situam no ponto de encontro entre um conceito teórico e uma declaração que nasce da luta. O sentimento de pertencer a uma classe resulta do trabalho político e simbólico, assim como de uma determinação sociológica.
Fonte:
BENSAÏD, Daniel. Os irredutíveis. Teoremas da resistência para o tempo presente. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 35-7.
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