segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sobre amor e causa comum

O problema do gozo é que ele nunca funciona diretamente; é sempre perturbado. Nas sociedades permissivas de hoje, por exemplo, temos o paradoxo inverso. Ou seja, oficialmente, contamos com a sociedade permissiva, temos permissão de gozar, ou melhor, de ter prazer; temos permissão de organizar nossa vida em torno da maneira de obter a máxima satisfação possível, de realizar nosso eu, e assim por diante. Mas qual é o resultado fundamental? O resultado necessário e intrínseco é que, para realmente gozarmos a vida, temos de seguir um sem-número de normas e proibições: nada de assédio sexual, fumo, alimentos gordurosos, álcool, ovos, nada de situações estressantes etc. O paradoxo é que, se você postula o prazer diretamente como uma meta, é obrigado/a a se submeter a diversas condições – por exemplo, preparação física para se manter sexualmente atraente -, de modo que seu prazer imediato torna a se estragar.

O paradoxo central do gozo é que não se pode tê-lo diretamente como objetivo; ele é sempre um subproduto. Esse paradoxo é fácil de discernir em alguns melodramas inteligentes, que mostram que o verdadeiro amor nunca é apenas uma relação simétrica entre duas pessoas que só olham uma para a outra, concordando em tudo, e se esquecem do mundo. É o que Bertholt Brecht chamava de das Lob der dritten Sache, o louvor à coisa terceira. Para mim, isso é quase um lema pessoal. Para se ter uma relação amorosa feliz, é preciso que haja uma causa comum como terceiro. As duas pessoas não olham uma para a outra, concordando em tudo, mas olham ambas para a causa comum, e é assim que se pode ser feliz na relação interpessoal.

Esse foi o grande erro do movimento hippie da década de 1960 e da política de gozo que emergiu dele. Opondo-se à chamada repressão burguesa, eles almejaram diretamente o prazer sexual como categoria política. O que pretendiam dizer com isso era que, em oposição à renúncia patriarcal, era preciso aprender a viver, a desfrutar espontaneamente a sexualidade, a vida ou o que fosse, e isso nos tornaria menos agressivos, menos autoritários etc. Na verdade, o tiro saiu pela culatra. Fica muito claro – e digo isto como esquerdista e pela perspectiva de alguém que tem vários amigos que viveram numa dessas comunas antiautoritárias – que essa aparente abolição da autoridade gerou uma autoridade ainda mais sufocante: uma espécie de comunidade falsamente igualitária, na qual as proibições eram ainda mais radicais e intrusivas.

(Slavoj Zizek)

ZIZEK, Slavoj e DALY, Glyn. Arriscar o impossível – Conversas com Zizek. São Paulo: Martins, 2006, p. 142-3.

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