quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sobre amor e política

Como disse Hanif Kureishi numa entrevista sobre seu livro Intimidade: “Há vinte anos, política era tentar fazer uma revolução e mudar a sociedade, mas agora a política se reduz a dois corpos, que são capazes de recriar todo o mundo fazendo amor num porão”. Confrontados com uma afirmação como essa, só podemos recordar a velha lição da Teoria Crítica: quando tentamos preservar a autêntica esfera íntima de privacidade contra o ataque das transações públicas “alienadas” instrumentais e objetificadas, é a própria privacidade que se torna uma esfera completamente objetificada e “mercadizada”. Fuga para a privacidade hoje significa adotar as fórmulas de autenticidade privada propagadas pela indústria cultural recente – desde as lições sobre o iluminamento espiritual, a última mania cultural e outras modas, até as atividades físicas da corrida e do fisiculturismo. A verdade última do retiro na privacidade é a confissão pública de segredos íntimos num programa de TV – contra essa espécie de privacidade, devemos enfatizar que hoje a única forma de romper as restrições da mercadização alienada é inventar uma nova coletividade. Hoje, mais do que nunca, a lição dos romances de Marguerite Duras é relevante: o meio – o único meio – de se ter uma relação pessoal (sexual) intensa e satisfatória não é o casal olhar nos olhos um do outro, esquecido do mundo em volta, mas, ainda de mãos dadas, olharem os dois juntos para fora, para um terceiro ponto (a Causa pela qual os dois lutam, em que os dois estão engajados).

ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do Real! São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 105.

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