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A essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo
singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais.
Karl Marx
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Tese nº 1
Parece claro que a melancolia não é um fenômeno meramente individual e psicológico e sim histórico e social. A tradição dos oprimidos pelo capital nos ensina que o estado de melancolia em que vivemos não é isolado e fortuito, não é algo que só nos acomete “de vez em quando”. É, na verdade, uma regra geral que nós tentamos a todo custo suprimir, a partir de várias atividades que, em sua maioria quase que absoluta, são postas pelo próprio capital a fim de uma vez mais sugar as nossas energias.
Essa melancolia não é momentânea, nem vinculada a certas experiências pessoais e traumáticas. Ela é onipresente. Podemos observar suas marcas, em várias formas, nos mais diferentes tipos de produção cultural: música, lazer, cinema, televisão, arquitetura, poesia, pintura, etc. Precisamos construir uma terapêutica que corresponda a essa verdade. Talvez nesse momento percebamos que a nossa tarefa é superar os condicionamentos histórico-sociais que estão na raiz da melancolia, e que a “terapia” é, de fato, uma postura crítica em relação aos mesmos.
Somente o engajamento numa práxis desse tipo pode criar um estado de espírito que nos liberta momentaneamente da melancolia que o sistema do capital nos atribui (adjudica). Essa libertação não é uma eliminação, mas um domínio (melancolia dominada) que nos dá condições de nos inserirmos numa práxis revolucionária. É uma reciprocidade dialética que nesse momento se verifica. A práxis revolucionária nos auxilia a dominar a melancolia. A melancolia dominada abre para nós a possibilidade de uma melhor inserção na práxis revolucionária.
O sistema do capital nunca nos liberta da melancolia; ele apenas nos entorpece.
Tese nº 2
A existência humana sob o domínio do capital é algo como uma melancolia permanente. As transformações são muito rápidas, muito intensas, e, nos dias atuais, em última instância, destrutivas. Assimilamos espontaneamente a dinâmica radical desses processos sócio-metabólicos eminentemente destrutivos e auto-destrutivos. Tornamo-nos, pois, destrutivos e auto-destrutivos. A melancolia aparece como expressão espontânea do ser que sente e muitas vezes resiste contra a violência dessa lógica fetichista. Mas geralmente nós não percebemos essa melancolia porque, como paliativo, o sistema nos oferece toda sorte de entorpecentes. Mas à libertação da melancolia só se chega por meio da práxis revolucionária.
Cada pessoa deve escolher, em seu foro íntimo, todos os dias, se quer se entorpecer, se quer se entregar, ou se quer se libertar da melancolia destrutiva que ameaça nos dominar.
Tese nº 3
A melancolia revolucionária é a melancolia dominada, que é já um estado de espírito diferente daquela melancolia primeira, que nos acomete imediatamente ao vivermos enredados na teia de relações sociais que realiza os imperativos do capital. A melancolia dominada é um verdadeiro estado de exceção que criamos pela luta, pela resistência ativa, por todo tipo de atitudes e práticas que empregamos no sentido de negar o atual estado de coisas e de afirmar uma alternativa a esta ordem. Não ser consumista, por exemplo, é um ato de resistência. Não ser utilitário, também.
Tese nº 4
O revolucionário autêntico não se ilude sobre sua melancolia. Ele não procura escondê-la de si, não a joga para debaixo do tapete, não a trancafia num quarto escuro, não a tira do seu campo de visão. Ao contrário, encara fixamente a sua face de Medusa e, com um sorriso de desdém, desarma-a e a transforma em sua aliada.
O revolucionário não se deixa petrificar, portanto, pela melancolia. Ele sabe de onde ela vem e sabe o que fazer com ela.
Tese nº 5
O revolucionário, o comunista, o materialista histórico, não teme a melancolia. Ele a aceita e a perscruta ao aceitá-la. Por meio dela, apreende o mundo. Pelo mundo assim apreendido, compreende a melancolia. Compreende, portanto, a sua melancolia e ao mundo num mesmo movimento.
Tese nº 6
A melancolia, quando nos domina, faz-nos perder a capacidade de atribuir sentido à vida, ao mundo, a nós mesmos, aos outros. Mas é preciso dar sentido à vida, ao mundo, a nós mesmos e aos outros para podermos dominar a melancolia. Dominando a melancolia, somos capazes de dar esse sentido.
Tese nº 7
O sentido que os comunistas atribuem à realidade social posta é o da necessidade de sua superação. Os capitalistas, por sua vez, também atribuem um sentido à realidade. É a sua maneira de suportar a melancolia gerada pelas práticas reificadas coordenadas pelo capital. Mas esse sentido é, bem entendido, o de se comprazer com o fetichismo do capital e, portanto, regozijar-se com a fonte da melancolia. A contradição, então, subsiste, ainda que deslocada para outro patamar. Por isso, o sentido assim atribuído é, no fundo, um entorpecimento. O consumismo, o individualismo, a competitividade capitalista, o próprio ceticismo, o diletantismo, as honrarias, o cultivo do ego, a racionalidade instrumental, o pragmatismo egoísta, o utilitarismo, o lazer alienado, são as múltiplas expressões desse ópio. Mas isso tudo não supera a melancolia. Apenas a deixa momentaneamente anestesiada. Ela retornará como um tigre faminto assim que passar o torpor.
O comunista supera a contradição pela práxis revolucionária, pela postura crítica teórico-prática radical contra a ordem estabelecida. A superação da melancolia tem, assim, dois momentos: o primeiro deles, individual, o da melancolia dominada; o segundo, o definitivo, só se dá com a superação completa das condições históricas de que a melancolia destrutiva é expressão.
O comunista sabe, então, que, embora haja um nível individual de superação da melancolia, a superação integral só se verifica no âmbito da história, com ações sociais e coletivas conscientes.
Tese nº 8
A melancolia é um sinal da história em nós. Ela pode e deve ser superada. E também a história. Isso se faz por meio da práxis revolucionária.
Tese nº 9
A vida vivida no seio das relações capitalistas nos coloca inúmeras pressões, imposições, prazos, compromissos, disciplinas, padrões aos quais devemos nos adaptar, modelos a seguir, medos e inseguranças, disciplina, ordem, etiquetas, tarefas maçantes, práticas monótonas e repetitivas, competição, concorrência, um complexo de atividades que transporta a lógica de relações sociais preponderantes no âmbito mais geral da nossa sociedade até o nível particular da existência individual. O sentido de tudo isso é o fetichismo, a alienação e, sem dúvida, a solidão. O resultado é uma melancolia completa e renitente.
O revolucionário não foge desse mundo. Ele o enfrenta. Dribla essas situações como um intrépido e destemido jogador de futebol, como um camisa 10. Mas assim como um camisa 10 não pode vencer uma batalha campal sozinho, também o revolucionário não o poderá fazer. Ele deve praticar a arte do drible, mas isto só não basta. Deve saber também a arte de jogar em equipe.
Tese nº 10
A melancolia dominada é quando fazemos da melancolia nossa companheira de viagem, e não o nosso algoz.
Tese nº 11
O sistema do capital é controle hierarquicamente estruturado sobre a nossa vida. É uma criação nossa que escapa de nossas mãos, volta-se contra nós e nos subjuga, extraindo e usurpando de nós aquilo que temos de melhor. A melancolia dominada não é, portanto, um controle que o nosso pensamento exerce sobre o nosso corpo ou sentimentos. Não é a imagem refletida no espelho daquilo que nos oprime. E também não é o oposto disso, isto é, o domínio do pensamento por parte dos sentimentos. É, na verdade, uma lucidez encantada, uma magia, ainda que melancólica, de que se reveste as ações do revolucionário. É a superação de uma relação conflitiva, atitude que se converte em condição essencial para uma ação efetiva, individual e coletiva, no sentido de romper com a ordem do capital.
A melancolia dominada é um estado de espírito especial no qual nos damos conta de que, se as coisas não vão melhorar por si próprias, nós precisamos, por isso mesmo, fazer algo. É, portanto, o pessimismo organizado.
Tese nº 12
Somente a melancolia dominada nos permite ver certas coisas que o otimismo ingênuo, o otimismo de diletantes, o otimismo de panfletários, não nos deixa enxergar. Evidentemente, ela também nos cega para algumas coisas. Por isso, os comunistas devem cultivar também o bom humor.
Tese nº 13
Os comunistas mantêm uma relação especial com o prazer e a sensibilidade – a melancolia é uma forma da nossa sensibilidade. Banquetes, festas e celebrações são, para eles, momentos libertários, subversivos e revolucionários. São momentos de exceção, onde a lógica das relações burguesas fica, por um átimo, abolida. Mas, para atingir essa condição, esse oásis existencial dentro do deserto da luta de classes, tais situações devem ser elaboradas por eles mesmos, e não pelo inimigo. As festividades elaboradas pelos senhores do capital têm sempre o propósito de reforçar e reafirmar o ego. Os outros, as coisas, os corpos, são, aí, meios para fins individuais. Os comunistas, ao contrário, em seus momentos de alegria, transcendem o ego usual e tomam os outros e a si como fins. Suas celebrações são experiências coletivas e é isso que lhes devolve o ânimo e a energia para o combate. É a ruptura com o pragmatismo, com o utilitarismo, com a racionalidade capitalista. É a experiência da gratuidade. A embriaguez, a alegria gratuita, os afetos sinceros e desinteressados, são, portanto, subversivos, revolucionários. Também fazem parte da luta de classes. São o que melhor complementa a melancolia dominada.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
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